março 16, 2007

Mind Tripping Alice

"Uma fábula moderna para os conturbados tempos contemporâneos de hoje em dia"
- New York Times

"Uma crítica contundente à política do governo petista"
- Veja

"O brado da esquerda contemporânea contra a dieta imagética da burguesia"
- Guardian

"O outro lado da moeda"
- Economist

"O retrato do que o PSDB produziu como valores para este país"
- Carta Capital

"A queda da falácia estadunidense de que Free Willy não comeria o garoto"
- Le Monde

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Alice Docê chamava-se na verdade Alice Bittencourt, dos Bittencourt de Falkland, era uma adolescente linda, loira, magra, rica e curiosa de uma família poderosa e tradicional. Por ser adolescente, linda, loira, magra e, pra falar bem a verdade, uma delícia de mulher, todo mundo insistia pra que ela fosse modelo, afinal, 1,89 de mulher-menina loira, magra e linda não era algo que pudesse ser tomado levianamente como corriqueiro. O fato é que ela era rica pra caralho - e leviana - o que obviamente fazia ela regozijar-se pelos elogios de modelete, mas jamais dar um passo rumo a isto.

“Convenhamos, trabalhar é pra pobre”, dizia quase como que um bordão.

Os pais dela não se importavam com isso, por que se importariam? Era a queridinha da casa, filha única, linda, loira e magra. Tá certo que sua melhor amiga, Maria Carolina, havia se mostrado uma devassa consumidora de drogas e tinha tido rápido affair com um assassino de sua própria avó. Mas Maria Carolina era típica nova rica, tinha queda pelo subúrbio de onde viera e seria assim pra sempre. A única coisa que deveriam fazer é manter sua Alicezinha longe do perigo, arranjar-lhe um príncipe de sangue azul a altura de sua princesinha linda, loira e magara.

Mas, como já dito, Alice não era apenas linda, loira e magra - nem falarei mais em rica - ela também era uma menina muito curiosa, de modo que era de seu feitio primeiro apertar o botão vermelho e se perguntar depois o que aconteceria.

- Tem docêêêêêÊÊÊÊêêêê, Sugarplum? - disse Alice para Sugarplum Fairy, uma menina que era uma mortal mistura de Courtney Love com Marla Singer e coquetel molotov. Era morena, com cabelo todo bagunçado de maneira que não se podia decidir se era longo ou curto, tinha olheiras profundas, pele caavericamente pálida e praticamente anorexa. Sugarplum sempre que ficava parada conversando parecia ter os ossos de borracha, pois sempre se balançava a esmo pra lá e pra cá, como se estivesse muito cansada ou como se seu corpo estivesse sempre em uma esteira de produção ou algo assim. Sugarplum era a fada madrinha de todos os podres de rico viciados ou recreativos da cidade. Todo mundo que tinha grana comprava a droga de melhor qualidade do continente diretamente dela. Dizem, tinha conexões até com o Bin Laden. Tinha de tudo: maconha, haxixe, skank, cocaína, heroína, crack, ecstasy, ópio, LSD, benflogin, maria mole, puxa-puxa e bala quebra-queixo.

Sabendo que Alice era curiosa ao extremo, Sugarplum variava sempre o tipo de ácido que oferecia para ela: - Tenho dois que tu ainda não experimentou, um vem da Burgoslávia e o outro do Nadatistão! - Disse ela abrindo a mão na frente do nariz de Alice.

Alice ficou vesga para olhar o que ela tinha na mão e, ao ver os dois quadradinhos de papel colorido, um azul e outro vermelho, imediatamente pegou os dois em um só golpe ao mesmo tempo em que disse afoita: - Me dá logo os dois.

Meteu embaixo da língua as duas figurinhas de pronto.

- Docê, isso é ácido bom! - falou Sugarplum.
- Então me vê um engov também.
- Alice, você não entende, você tomou dois LSDs porretas, garota, você vai ficar piroloca. Você tomou 8 vezes a dose normal desse doce.
- Era isso que eu queria, docêêêêê. - Pegou duas notas de 100 e botou na mão de Sugarplum. Despediu-se dizendo: - obrigado, minha fada, adoro o docêêêêê que tu me traz. Agora vou indo, beijotecomo.

E saiu, saltitante, rumo ao shopping.

Andava no shopping quando começou a sentir-se mais alta do que estava acostumada a ser, como se seu pescoço estivesse levemente maior e que suas pernas também sofressem algum crescimento muito sutil, mas facilmente perceptível para aqueles que se conhecem há 15 anos. Alice Estava experimentando um vestido azul de não menos de R$600,00 enquanto esperava bater. Alice olhava-se no espelho, gostou do vestido, realçava suas pernas. De repente viu um coelho branco, muito baixinho, passando apressado. Mas o coelho não era um coelho comum, era um coelho humanóide. O coelho branco andava em duas patas, estava vestindo um terno azul e olhava compulsivamente em seu relógio de bolso. O coelho dizia:

- Puxa, estou atrasado.

O coelho passou por debaixo das pernas de Alice Docê, tão rápido que chegou a levantar levemente o vestido que provava. Ao passar, o coelho deu uma ponta no espelho, como se mergulhasse em uma piscina, e pra surpresa de Alice, no lugar de quebrar o espelho, o coelho apressado nadou para dentro do mesmo, ficando cada vez menor enquanto tava suas braçadas meio desengonçadas. Alice, que achou tudo aquilo fascinante, não quis ficar pra trás e decidiu adentrar também aquele estranhoso mundo novo além da moldura.

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Olhou em volta. Não pareceria ser lá tão diferente de onde estava. Na verdade, parecia igualzinho a loja que estava, só que exatamente ao contrário. A entrada do provador, que ficava às suas costas, estava agora à sua frente, a entrada da loja que ficava à esquerda, ficava nesse estranho lugar dentro do espelho à direita. Ao sair do provador, Alice olhava tudo com muito cuidado e curiosidade, pois todas as coisas estavam invertidas. Até a blusinha da vendedora, com o lettering “Até cubanos”, agora aparecia “sonabuc étA”. A vendedora aproximou-se dela e disse:

?adireuq, oditsev od uotsoG -

- Hm, como disse? - respondeu Alice, muito intrigada com a estranha linguagem da vendedora.

?adireuq, oditsev od uotsog eS -

- Olha, não sei bem o que é, mas meu cartão de crédito resolve? - Alice entregou seu cartão a vendedora que, satisfeita, foi fazer o que se fazem no mundo dos cartões de crédito. Quem liga? Saiu da loja usando seu mais novo vestido azul.

Ao sair da loja, Alice ouviu alguém chamando por “moça”, mas não deu bola, já que sentia-se como mulher, não como moça. Os gritos continuaram, até que ela sentiu uma mão peluda encostando-lhe no ombro. Era a vendedora, que na verdade era um grande lagartão rosa com pelos dourados, que entregou-lhe o cartão de crédito.

- Você tinha esquecido isso, querida.

- Ah, sim, obrigada, seu lagarto. Foi um prazer rabiscar com você essas notas. - Alice virou-se e continuou para onde estava indo. Logo ela se achou num lugar onde tinha muita gente sentada, conversando tão animadamente que na verdade parecia um jantar de um baile de máscaras. Todos estavam vestidos de maneira muito extravagante, os homens de terno, fraque ou algo assim, a maioria deles com cartolas altas e bengalas com diamantes do céu incrustados, já as mulheres usavam vestidos rodados elegantíssimos, com seus espartilhos bem apertados e perucas gigantes de todas as cores.

Infelizmente, Alice só então percebera, todas as mesas estavam ocupadas e ela sentia muita fome, queria devorar uma pizza de doce de leite ou até mesmo uma bomba de chocolate, desde que não lhe fosse explosiva para o estômago. Foi aí que ela viu que havia um lugar vago em uma delas, onde sentavam-se 3 figuras muito insólitas. Um deles era um coelho de vestido, outro um homem normal e outro ainda algo muito estranho que Alice não conseguia descrever ou perceber, de modo que na verdade trocava de forma toda hora - primeiro achou que era um bule de café, depois um ornitorrinco, depois ainda os dois ao mesmo tempo e ainda depois nada disso e tudo isso e vice-versa.

Apesar da mesa ser relativamente grande, as 3 figuras insólitas se amontoavam num pequeno canto da mesa.

Quando Alice se aproximou para sentar-se à mesa, do lado oposto onde jaziam as 3 figuras amontoadas, logo começaram a gritar “não tem lugar, não tem lugar, não tem lugar”, posto que ela contestou-os no auge do seu mais azul vestido azul:

- Como assim, tem bastante lugar aqui!

- Não tem lugar! - Gritaram para ela de volta, quando só então percebeu que na verdade a 3 figura era Chuck Noris, que anteriormente era um bule e um ornitorrinco, estava dormindo um sono profundo, portanto era o único dos 3 que não lhe gritou nada.

- Eu me chamo Alice, e você, como se chama, coelho?

- Não sou um coelho, sou uma lebre! - respondeu a lebre de vestido muito irritada - me chamo Lebre de Março.

- Oh, me desculpe dona Lebre de Março. É um prazer.

- Eu sou o Chapeleiro.

- Muito prazer, sr. Chapeleiro.

O alto som do silêncio invadiu a mesa. De repente a Lebre de Março e o Chapeleiro começaram a cutucar Chuck Noris para ver se o acordavam, mas não tiveram êxito.

- Ele é o Arganáz, mas está sempre dormindo o coitado. - falou o chapeleiro apontando com a colher de chá para seu colega dorminhoco (porque os 3 estavam tomando chá).

- E por que ele não acorda? - Perguntou a curiosa Alice, olhando para Chuck Noris.

- Por que são 6 horas, hora do chá para nós, mas hora de dormir para ele, não é óbvio? – Respondeu a Lebre de Março. Ao fim, esta ofereceu a recém chegada: - Tome um pouco de vinho.

- Mas eu não vejo nenhum vinho aqui, dona Lebre.

- Claro que não, é hora do chá! - respondeu a Lebre.

- Então se não tem, não é educado oferecer-me.

- E é educado sentar-se sem ser convidada?

- Desculpe-me, mas esse era o único lugar vago e eu sinto muita fome, preciso jantar.

- Já dissemos, não é hora da janta, é hora do chá. É sempre hora do chá. Faz tanto tempo que é hora do chá que nem dá tempo de lavarmos a louça entre um chá e outro.

- Hora, como assim? Se agora são 6 horas, daqui a duas horas será hora da janta. - Disse Alice, em tom professoral.

- Ah, sim, muito espertinha que você é, isso é porque você não brigou com o Tempo. - falou o Chapeleiro com uma xícara de chá no meio do caminho entre a mesa e sua boca.

- Não é possível brigar com o tempo?

- Você não briga com sua mãe às vezes?

- Sim, brigo.

- Pois como tempo é a mesma coisa, você não sabe que ele é uma pessoa também? Estava eu fazendo palavras cruzadas para matar o tempo, só que ele ficou muito bravo por eu tentar mata-lo, de modo que agora são sempre 6 horas da tarde pra mim, hora do chá. - o Chapeleiro ao dizer isso parecia tão seguro de si que Alice sentiu-se meio boba de ter perguntado.

- Ah... certo.

- Mas pior é pra nosso amigo Leitão que vive dormindo, já que essa é a hora dele dormir. - Disse a Lebre de Março, olhando para um porco rosado que antigamente costumava ser Chuck Noris.

- Você sabe qual a diferença entre um corvo e uma escrivaninha? - Perguntou o Chapeleiro, de olhos bem arregalados, inclinando-se na direção de Alice.

- Hm, acho que não sei essa charada.

- Isso é porque você deveria cortar seus cabelos. - Disse a Lebre de Março.

- Mas que comentário grosseiro, dona Lebre. - Falou Alice, espantada que alguém falasse mal do seu sedoso cabelo loiro cacheado.

- Você sabe ou não sabe a diferença entre o corvo e a escrivaninha?

- Não sei não. - Disse Alice após um breve período de pensamento.

- Ora, escrivaninhas não voam, não é óbvio?

E a Lebre de Março e o Chapeleiro riram muito, riram tanto que foi o suficiente para acordar Angelina Jolie, que anteriormente era um Leitão, Chuck Noris, ornitorrinco e bule. Angelina entre um bocejo e outro disparou: - Quem é a baranga loira?

Cansada de ser tão ofendida, Alice levantou-se de um salto e foi embora. Ouviu ainda os 3 discutindo sobre para onde ela iria, mas não quis nem saber, apenas se foi.

Ao deixar a imensa sala de jantar vitoriana, Alice se viu em um campo onde cresciam nas árvores carros de todos os tipos. Olhou ao longe uma aglomeração de pessoas jogando críquete e decidiu dar uma olhada mais de perto.

Ao aproximar-se, notou que as pessoas que jogavam críquete estavam todas vestidas iguais, como se usassem uniformes. Porém, o uniforme era realmente bem estranho, porque era como se fosse uma daquelas placas de homem-sanduíche, só que em vez de propaganda de “compro ouro”, “faço foto 3x4” ou “corto cabelo por R$1,00” eram na verdade como se fossem imensas cartas de baralho. Logo Alice percebeu que não jogavam críquete, mas sim pôquer - uma forma bem extravagante de fazê-lo, é verdade, mas muito estimulante para a criatividade de Alice.

Parece que o Coringa estava sendo acusado de alguma coisa pela Rainha de Copas:

- Comece pelo começo, siga até chegar ao fim e então, pare. - Disse o Coringa em sua defesa.

- Você não pertence a esse jogo, cortem a cabeça dele fora! - Gritou a Rainha numa voz estridente e sem dar chance para apelação.

Espantada com a possibilidade de matarem o pobre Coringa, Alice foi pra cima da Rainha de Copas com bolsadas, mordidas e pontapés. Não demorou muito para os soldados da Rainha, todas cartas baixas do baralho, a agarrassem e a levassem para um grande deck de cartas que tinha 4 rodas.

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- Ela vai ficar boa, doutor? - Disse o homem de terno e gravata e cerca de 50 anos, que segurava entre os braços sua mulher, uns 20 anos mais nova, que chorava discretamente perto do peito dele, tomando cuidado para não lhe molhar a gravata.

O médico, em seu típico jaleco medical, não foi condescendente - Bom, dr. Bittencourt, ela certamente precisará se desintoxicar. É muito triste dizer, mas o envolvimento com drogas da sua filha Alice é extremamente pesado, de modo que será necessário alguns meses de recuperação no nosso spa de desintoxicação.

- Dinheiro não é problema, dr. - Disse a mãe, entre soluços.

- Com certeza. Queiram por favor passar no meu escritório para assinar os cheques.

O médico fez um sinal para que os pais de Alice o seguissem, deixando a menina loira, linda, rica e curiosa num quarto trancado a chave e revestido de espuma. No lugar do seu vestido azul, Alice usava sua mais nova vestimenta:

uma camisa de força.