fevereiro 28, 2007

Bonezinho vermelho

"Uma fábula moderna para os conturbados tempos contemporâneos de hoje em dia"
- New York Times

"Uma crítica contundente à política do governo petista"
- Veja

"O brado da esquerda contemporânea contra a dieta imagética da burguesia"
- Guardian

"O outro lado da moeda"
- Economist

"O retrato do que o PSDB produziu como valores para este país"
- Carta Capital

"A queda da falácia estadunidense de que Free Willy não comeria o garoto"
- Le Monde

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Bonezinho Vermelho era uma adolescente descolada - ao menos o tanto que uma adolescente viciada em The OC poderia ser. Era um simulacro de Evril Lavigne, magra, loira, maquiagem forte ao redor dos olhos, roupas de grife industrialmente rasgadas e um inseparável boné de couro vermelho com tachas, que lhe conferia o apelido. Mucho punk (ainda que no estilo “levada da breca”), ahã ahã. Certa feita até pichara uma declaração de amor ao namorado no muro do colégio onde estudava durante o turno da manhã (enquanto deveria estar na aula), mas acabou se arrependendo uma semana depois quando ela o viu chegando à segunda base com Lola, a líder da torcida.

Como toda adolescente revoltadinha de butique, Bonezinho, como que ferro no esmeril, vivia trocando farpas com seus pais. Não que eles não fossem pessoas legais, o caso é que ela era adolescente. O papel dos pais é criar, o papel dos adolescentes é encher o saco do jeito que for possível. Aquele dia não foi diferente:

- Pô, mas que saco, mãe! Isso é mó xirinqui-tunkê-caretê!
- Já disse pra não usar esse linguajar, Maria Carolina.
- Não me chame assim, meu nome é Bonezinho Vermelho.
- Ta bom, Bonezinho, então vá lá entregar esses remédios pra sua avó que depois eu lhe dou dinheiro pra ir no show do Brian Adams. - disse a mãe, complacente com as manias da filha, e lhe dando pequenos tapelecos na bunda enquanto a dirigia para a porta de casa.
- Tá bom, mãe... - disse Bonezinho, resignando-se a sua terrível sina. Mas tudo seria diferente quando tivesse 18 anos. Ah, se seria. Alugaria um apê no centro com sua melhor amiga, Alice Docê, uma consumidora inveterada de LSD, e as duas viveriam a vida como deve ser vivida: sexo todo dia, festa toda noite. Mas, por agora, tinha que ir visitar sua avó.

Quando estava fechando a porta, sua mãe ainda lembrou-lhe:

- Mas não vá pelo atalho da periferia, minha filha! É perigoso ir por lá.
- Claro, mãe, tá achando que sou louca?

E se foi.

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Andava apressadamente batendo sua Melissinha preta contra o chão irregular da favela em meio aos muros grafitados e suspeitos que se entreolhavam pensando “que diabos essa patricinha estaria fazendo ali?” Começava a sentir-se com medo, talvez tenha sido uma má idéia cruzar a Floresta.

Decidira obviamente pegar o atalho que cruzava a Favela da Floresta. Não porque era mais rápido, tampouco porque era mais perigoso. Mas sim porque era adolescente. Se tu já foi ou é um adolescente, sabe muito bem que qualquer coisa que teus pais te dizem expressamente para não fazer por um bom motivo, você o desobedecerá sem nenhum motivo. Enquanto pensava em tudo isso, ouviu alguém chamando-a:


- Ei, chapéu! Psiu!

Ela ignorou o chamado, mas não pode evitar quando o dono da voz que a chamou agarrou seu pulso.

- Onde tá indo tão scorre-scorre com essa cara raz draz, mina?
- Me solta.
- Calma, não vou te crastear, sou horrorshow! - disse o rapaz soltando-a - Me chamo Lobo. - estendeu a mão para que ela apertasse. Só agora Bonezinho notara que o rapaz era um pouco maior que ela, ainda que bem mais velho, provavelmente já chegara aos 20 anos, tinha a pele marrom chocolate, porém olhos muito azuis. Uma estranha mistura que se podia ver no país. Estava vestido como mano do hiphop, boné torto, calça jeans surrada com o fundilho no joelho e que permitia vislumbrar um pedaço da cueca e uma camiseta do Chicago Bulls ou do Miami Sharks, alguma coisa assim. A única coisa meio “out of place” era que um dos olhos dele era maquiado como se tivesse grandes cílios. “Hm, um mano emo?” Ela apertou a mão do rapaz e falou seu nome:
- Bonezinho Vermelho.
- Belo nome, então, o que é que vai ser, minha drugui?
- Tô só cruzando, é mais rápido pra ir na minha avó.
- Ah, tá pegando o atalhão pro bairro Chiquê, heim? Essa tua babusca mora bem.
- Que nada, ela tá no asilo lá.
- Aaaah... conheço. Asilos são horrorshow!
- Bom, preciso vazar.
- Falou, pititsa, nos vemo nas quebrada.
- Issa ae... - contente por se livrar do rapaz que, ainda que fosse bonitinho, não tinha o nível social dela e falava como um maloqueiro da pior qualidade. Suspirou, poderia amá-lo.

Quando ela ia se afastando, ouviu mais uma vez a voz de Lobo.

- Ei, tá a fim de um moloko vellocet?

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Chegou no quarto da avó com alguma dificuldade. Pra falar a verdade, muita dificuldade. Nunca tinha notado como os corredores do asilo eram grandes, tão pouco que mudavam de cor, assim como seus funcionários que, de enfermeiros de jaleco branco, passavam a peixes com grandes guelras. “Como será que respiram fora d´água?” pensara, até decidir que na verdade ela que estava dentro da água, nadando pelos corredores do asilo, “como eu respiro embaixo d´água?” Até que finalmente achou o quarto da avó. As paredes se moviam, de modo que foi difícil abrir a porta, mas logo uma mão amiga ajudou-a. Sentiu que fora empurrada para dentro do quarto, ou talvez o quarto a tenha sugado, estava confusa, começava a ter medo, que diabos estava acontecendo com o mundo? Confusão, muita confusão.

Foi aí que recobrou brevemente a consciência, bem a tempo de ver Lobo asfixiando sua avó com um saco plástico. Bonezinho tentou gritar, mas sua voz não saiu, na verdade, o que saiu da garganta dela foram bolhas de ar. Nunca tinha tomado moloko vellocet, era realmente uma pancada no estômago, mind blowing experience, como diria Alice. Voltando a seu devaneio, decidiu ligar para Alice. Onde estava seu celular? “Acho que um dos peixes maus o pegou para pedir uma pizza com muita anchova. Sentiu repentinamente uma pressão seca na cabeça, ao mesmo tempo em que suas pernas amoleceram e involuntariamente foi ao chão.

Lobo segurava pelo topo a sombrinha da vovó, cujo cabo agora tinha sangue na ponta. O boné vermelho de Bonezinho Vermelho ainda estava em sua cabeça e agora estava mais vermelho, graças ao sangue que escorria de sua cabeça. Bonezinho viaja pensando nas estrelas do teto enquanto Lobo tirava a calcinha da Carpicho que a vestia como última barreira.

- Hm, algodão horrowshow! Adoro novilhas ptitsas por causa do algodão horrowshow. Agora vamos para o velho vai-e-vem-sputinik. - jogou a calcinha para o lado, pegou Bonezinho no colo e a jogou na cama da vovó, que jazia morta num canto.

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Sua mãe, que não guardava mais luto pela morte da avó de Carolina, estava dirigindo seu Nissan preto ao lado da filha. Estava levando Maria Carolina para mais uma sessão com o psicólogo. Era um ótimo - e caríssimo - psicólogo, tão bom que já tinha até conseguido fazer a filha largar o maldito boné vermelho que ela não tirava da cabeça, mesmo com as manchas de sangue (que não saíram o com Omo, tampouco Ariel, ministrado pela empregada da família). Talvez o profissional conseguisse consertar um pouco a cabeça da pobre criança. Ainda não acreditava que sua filha estivera envolvida com drogas e marginais, mas principalmente com drogas como moloko vellocet e assassinos. Sua filha provavelmente jamais ficaria boa. Não bastava o marginal ter matado sua avó e estuprado Maria Carolina, tinha que também praticar necrofilia com a pobre velha, fazendo a neta observar tudo sem fechar os olhos. Não ficaria boa da cabeça por melhor Freud contratasse, mas ao menos ficaria boa o suficiente para seguir seus passos - casar com um pato rico que sustentasse seu vício por sapatos de bico fino e valium.