Aviso de antemão que você não vai conseguir acabar de ler esse texto. Não perca seu tempo, amigo.
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E de repente você acorda ou, no meu caso, não consegue dormir tendo a estranha certeza de que você já tem 24 anos e que não só você, mas todas as pessoas a sua volta, estão completamente erradas e tudo que você fez foi de certa forma inócuo, sem sentido, desprovido de qualquer valor duradouro. O mundo é maluco, as pessoas correm pra lá e pra cá, trabalham feito loucas pra encher a carteira de dinheiro, o apartamento com uma mistura de móveis das Casas Bahia com Tok&Stok (ou Ikea, depende o quão publicitário você é) e quando olham pra cima às 7 da tarde de verão quase outono, no lugar de um céu pintado pelos deuses com uma gama imensa de cores e decorado com nuvens de algodão, vêem apenas azul, branco e algum laranja de uma imensa bola de fogo que passamos a eternidade girando à volta. Não há mais como sair de mão dada com alguém sem pensar no tempo que se está dispensado para aquela atividade, até porque a sua mão está perto do pulso dela e o pulso dela carrega um pequeno relógio digital ou analógico que mostra com uma precisão absurda que a sua vida está passando a cada segundo e se você não fizer alguma coisa você vai ter desperdiçado sei lá quantos zilhões de segundos andando em círculos em uma bola oval que gira em torno de si mesma e de um gigantesco fogaréu dos infernos, quando na verdade tudo que você tinha que fazer era viver um dia depois do outro, meio sem rumo. Rumo? Ninguém sabe realmente pra onde está indo, como eu posso saber agora? Estarei casado? Talvez me case amanhã, talvez continue agindo como um eterno adolescente e nunca ache alguém que me faça querer ficar junto pra sempre, porque sempre que eu acho eu dou um jeito de dar no pé, hit the road, jack, and don´t come back no more no more no more, ou até mesmo de estragar tudo. Porque por mais que a gente goste, sempre pinta um medo insano de estar preso e ligado a alguém e acabar num apartamento muquirana de subúrbio, vivendo com um filho e um gato pelo resto da vida até que a morte te enterre e tu não seja nada mais do que uma lembrança de alguém que logo logo morre e, puff, você desaparece para todo sempre e a sua vida foi um imenso nada, igual a das formigas. Eu queria mesmo largar tudo, pegar alguns amigos que eu gosto, vender tudo o que temos e comprar em sociedade um trailer em que viajaríamos pelo velho mundo, sendo expulsos de países, trabalhando apenas por comida e gasolina, sem nunca saber para onde a estrada em que estamos cruzando realmente leva, onde acaba, onde começa ou até mesmo pra onde é o norte e o sul. Não importa. Eu quero vento nas fuças, eu quero abraçar as pessoas que eu gosto porque eu sei que uma hora ou outra a gente vai se separar, porque a vida leva cada uma das pessoas por trilhas diferentes, porque estamos todos aqui, vivemos em uma espécie de sociedade (mucho loca, aliás), mas não somos de maneira nenhuma ligados para sempre, somos únicos e é esse conceito que nos leva até o divino - eu não sou um animal, eu sou alguém, algo me botou aqui, algo me fez aprender a escrever, ter angústias, sonhos, problemas, tudo isso não pode ser acaso, eu não posso ser mais uma formiga no formigueiro, não faz sentido. Então, quanto mais o tempo passa, mais você vai ter a possibilidade de olhar pra trás e ver quanta coisa já passou, quantas pessoas cruzaram teu caminho deixando uma marca grande ou pequena e de repente você nota que você não deu atenção nem as pessoas que deixaram as maiores impressões gravadas no fundo da sua alma pelo resto dos seus dias. Acaba sendo patético. E você se nota que tem uma vida rasa e inútil justamente neste dia, com 24 anos completos, percebe que há 24 anos você vive na mesma casa, com as mesmas pessoas e que na verdade não conquistou nada sozinho - e talvez nunca tenha conquistado absolutamente nada de importante, sozinho ou acompanhado. Aí você liga a tevê pra se distrair, porque não basta você jogar fora a sua vida, você ainda tem que desperdiçar preciosos momentos se distraindo para que o tempo simplesmente passe mais rápido, e o âncora do jornal, um sujeito visivelmente perturbado por anos de teleprompter (seja lá como se escreve essa josta) com notícias negativas, como políticos, com o mesmo sobrenome de outros políticos falecidos, fazendo de um país a sua empresa, tendo a vida pública como opção de vida e ganha pão. A maioria das pessoas que eu conheço já morreu. Sério. E a maioria vive como um eterno adolescente, mesmo tendo 24 ou 31 anos. Ou até mesmo 50. A gente não aprende nunca, estamos sempre fodendo por aí, feito bichos, fodendo, comendo e trabalhando (para comer e foder melhor) e não consegue abstrair que estamos construindo tijolo por tijolo um gigantesco monumento ao nada em que usamos bolor e porra pra cimentar e um imenso pântano de bosta como base. Não é difícil imaginar que uma hora ou outra tudo isso vá por água abaixo ou que você simplesmente desista e não continue mais. Não é difícil notar, mas é complicado e nada simples fazer algo sobre isso. Hoje eu deveria estar formado, não estou. Hoje eu deveria estar começando a botar os casacos mais pesados no armário pra sair de casa, mas não estou. Hoje eu teria conhecido parte do mundo que me faz falta, mas não conheço, e dói muito a saudade do que nunca tive, de uma maneira pitoresca e ridícula que só eu mesmo, que calço meus sapatos, sei como é. Talvez tenha sido melhor, mas eu nunca vou saber, porque sou um fraco e não arrisquei. Preferi o status quo, a vida cotidiana, continuar caminhando por aí na bola oval que gira em torno do monumento cósmico da piromania. Eu não tenho marco zero. A única coisa que eu tenho é uma faculdade de que não gosto, uma família que me mantém, saudável e confortável, uma barriga que começa a crescer preocupantemente e uma mulher diferente a cada dia na minha cama, sendo que nenhuma delas me dá o que eu realmente quero, que é sentir alguma coisa no meu coração que me faça acordar todo dia sabendo que existe algo por que lutar. Uma velha senhora alemã disse a um cara que eu admiro que ele viajava não “porque queria conhecer o mundo, mas porque PRECISAVA conhecer”, eu me sinto exatamente assim, não é desejo, eu preciso ver, eu preciso estar lá, eu preciso experimentar como é olhar para o céu em Uganda ou dar uma volta pelo Kremlin, porque eu sei que o meu lugar não é dentro do formigueiro, o mundo é o meu playground e eu estou no mesmo brinquedo a muito tempo - provavelmente 1/3 da minha vida, talvez 1/4 se eu começar a comer e me exercitar direito, mas pensando tecnicamente na parte realmente aproveitável desta estranha experiência nesse planeta, talvez me sobre só uns 20 anos para que eu faça o que devo fazer, só que o tempo vai passando e logo esses 20 anos se transformam em 15, os 15 em 12, os 12 em 5 e logo eu não tenho mais o que fazer a não ser ter uma casa no subúrbio, um cão chamado Gabriele, uma esposa que me acha um chato e um filho que acha um sujeito do big brother muito mais admirável que eu. Eu queria te mandar uma mensagem no celular, mas infelizmente eu odeio aquele maldito site www.vodafone.se porque ele está em uma língua em que todas as pessoas parecem bravas quando falam qualquer coisa por mais amistosa que seja, além disso mensagens de celular me fazem entender que eu estou muito mais longe de ti que eu gostaria e que o meu braço não te alcança e por mais que eu tente não vai haver gasolina suficiente para sair daqui a esta hora da madrugada, tocar sua campanha e, com o cabelo molhado pela chuva, perguntar se tem um espaço sobrando na tua cama embaixo das tuas cobertos e do teu quarto com calefação, mantendo os ambientes em torno de 20 graus. A vontade que eu tenho agora é apagar tudo isso, botar um all-star e me perder na noite, encontrar qualquer par de braços que me abrace e um par de pernas que se abra, tudo isso meio bêbado, pra acordar meio sem entender direito onde estou, olhar o relógio no celular e ver se ainda dá tempo de pegar o almoço em casa. Mas eu sei que nada disso vai adiantar, que por mais que eu esqueça uma noite de todas as inquietações no meu espírito, a minha memória é boa demais para esquecer, além disso, partir pra essa atitude seria apenas confessar, confirmar, de que realmente eu sou mais uma alma perdida dentre tantas outras que vagam noite após noite a procura de cevada, carne quente e frugalidades que se esvaem ao amanhecer, quando voltamos pras nossas tocas a planejar qual é o alvo da noite que logo virá. De que me adianta Bell´s, Beco e Cidade Baixa, se todas as pessoas que vão lá são iguais? Se todos trocaram a vida por um simulacro de “carpe diem anos 2000” sem qualquer propósito senão convencer a si mesmo e aos outros que tudo está maravilhoso, enquanto voltam pra casa e se frustram com a vidinha medíocre (quando tem algo na cabeça) ou quiçá nem isso, já que muita gente simplesmente age e pensa como gado. Aperto na alma, angústia, dor, eu não quero isso pra mim, eu sou diferente, eu não sou daqui, eu odeio todo esse esquema, eu não me encaixo nesse padrão, eu sou uma droga de exceção no meio de um mundo onde o bom é ser o estereotipo - estéril tipo, tipo estéril.