fevereiro 25, 2013

Sobre a vida

Em que meu filho pergunta sobre a vida e eu me viro para explicar.

Meu filho e eu estávamos tomando uma daquelas gororobas de cores berrantes, geladas e açucaradas que se encontram em postos de gasolina de beira de estrada e certos parques de diversão. Sofia, minha esposa, abastecia o carro. Era um daqueles postos onde self-service (porque autosserviço parece o trabalho feito em uma oficina mecânica) era a regra. A nossa volta, além do posto e da loja de conveniência, não havia nada além da autoestrada, terra vermelha e um que outro arbusto seco. O céu estava avermelhado por conta do sol chegando ao horizonte. Um caminhão solitário estava parado embaixo da única árvore do posto.

Entre um gole e outro da gororoba colorida, eis que meu filho me perguntou: - Pai, quem inventou a vida?

Sorri. Crianças... sempre com as perguntas certas. – Filho, eu não sei quem inventou a vida. Uns dizem que foi deus, outros que foi ala, outros dizem que não sabem, outros ainda dizem que foi uma reação química. Tem até quem diga que fomos trazidos por habitantes de outros planetas.
- Como pode ser tantas respostas diferentes?
- Filho, não é porque alguém diz que sabe algo que aquilo é verdade.
- Então eles mentem que sabem?
- Não, não, pelo contrário. Eles acreditam que sabem. Mas ninguém tem realmente certeza. E você devia desconfiar de quem tem muita certeza.

Ele pareceu refletir sobre o assunto, mas não se deu por vencido: - Se ninguém sabe mesmo, então pra que serve a vida?

Agora foi a minha vez de pensar. – Sabe filho, a vida é como esta estrada aqui. A gente pode parar para abastecer ou tomar uma gororoba destas...
- Slurpies. - interrompeu ele.
- O quê?
- Slurpies é o nome do que estamos tomando.
- ...certo, podemos parar para abastecer, beber... slurpies... checar os pneus, trocar o óleo, porém não se pode ficar parado o tempo todo.
- Por que não?
- Ora, você quer viver aqui neste posto de gasolina?

Ele balançou a cabeça em negação.

- Pois então. Na vida, a gente tem que continuar pra frente. Também é preciso saber para onde você vai. Porém, mesmo sabendo qual é o seu destino e o caminho pra chegar lá, é importante que se aproveite a viagem.
- Eu estou cansado de viajar.
- Por isso paramos para tomar esta goror... slurpie.

Ele assentiu entre um gole e outro.

- É importante aproveitar a viagem, olhar bem à volta o que pode haver de interessante, porque às vezes quando chegamos ao destino, ele já nem é tão interessante quanto você pensou que fosse. No fim, o destino é só uma desculpa para a viagem. A vida é uma estrada. E a estrada é a vida.

Ele pareceu confuso.

- O que eu quero dizer é que você deve aproveitar o momento, mas sempre andar para frente. É necessário parar para abastecer, mas você não pode ficar parado o tempo todo. Nem por muito tempo.
- Mas você não respondeu pra que serve a vida.

Garoto esperto.

- Pois a vida serve pra isso. - abri os braços sinalizando a nossa volta - para viver. Aproveite a viagem, pois a viagem é o objetivo da vida.
- Hmmmm. E quem não viaja não vive? Zumbis viajam em hordas de zumbis e são mortos-vivos.
Eu tive que rir. - Viagem é modo de dizer. Você não precisa viajar para viver, mas você tem que viver a sua vida como se fosse uma viagem. Você deve avançar e evoluir, não deve ficar muito tempo parado no mesmo lugar e, acima de tudo, deve saber que tudo passa, como a paisagem pelo vidro do carro.

Ele pensou um pouco e eu continuei:

- Lembra como você chorou quando a nossa gatinha não voltou mais pra casa?

Ele concordou com a cabeça.

- Pois bem, você está chorando agora?
- Não. Mas eu gostaria que ela não tivesse sumido.
- Eu também, filho, eu também. Eu gostava da Diná também... bom, menos quando ela me acordava miando às 5 da manhã. Mas o que eu quero dizer é que a tristeza é temporária. A felicidade também. As pessoas passam na sua vida, como outros viajantes que param nesse posto. Algumas vão com você até certos lugares, como aquele mochileiro que deixamos pra trás. Mas no fim, tudo é passageiro. Você deve aproveitar o máximo da vida, porque o que é agora muda a todo momento.
- Mas e as pessoas que a gente gosta? Eu não quero que você e a mãe se vão.

Abracei meu filho puxando ele pra perto de mim, enquanto meus olhos cruzaram com os olhos da Sofia, que olhava para nós com as mãos na cintura e um sorriso no rosto. - Filho, nós tentamos manter as pessoas que a gente ama por perto, nem que precisemos desviar um pouco do caminho para que continuemos companheiros de viagem.

Levantei pegando meu filho pela mão. Estava na hora de continuar a viagem.