junho 05, 2007

Mila

Um copo de uísque na mão, cabelo tingido de roxo e cortado de alguma forma indescritivelmente estranha, muita maquiagem em volta dos olhos e uma voz alta demais, acompanhada por gestos espalhafatosos de quem não só é o centro das atenções, mas faz questão de ser o centro de todo o universo - essa foi uma das primeiras vezes em que notei Mila. Nos encontramos algumas vezes nesta velha danceteria suja e acabada, um verdadeiro muquifo onde modelos anoréxicas, gays anoréxicos, drogados muito magros, djs desconhecidos e perturbados em geral se sacudiam diariamente durante boa parte da noite.

Era impossível não notá-la.

Além de muito espalhafatosa, Mila era de longe a mulher mais bonita daquele lugar - como já disse, um lugar freqüentado por modelos de todas as estirpes. Dizem que até a Gisele Bündchen passou por lá quando era só uma nariguda magricela e peituda que ninguém conhecia. Mas lenda por lenda, prefiro bem mais aquela em que treinei kung fu com o japa que fez o Spectroman. Mas chega disso, voltemos a Mila, que era o que mais me interessava àquela época. Essa mulher era muito mais bonita do que qualquer mulher que eu jamais tinha visto. Sabe atriz de cinema? Ela tinha os lábios da Angelina Jolie (não estou exagerando, juro que eu não era o único que notava isso de primeira), olhos verdes que podiam hipnotizar qualquer um, um rosto angelical, uma bundinha bem no lugar, coxas roliças, cabelos que mudavam para cores inexistentes na natureza a cada 15 dias e um par de peitos que botavam pra babar até os veados do lugar. Condensada em 1,60 e poucos, era tudo o que eu mais queria numa mulher fisicamente. Mila era uma mulher absurda. E ela era absurda não apenas fisicamente, ela era absurda em tudo.

- Tem pó aí, gostoso?
- Não, - respondi. - eu não cheiro.
Ela parou um pouco, torceu a cabeça e me olhou de rabo de olho: - tu não é da polícia, é?
- Eu?
- É.
- Não, não.
- Ah bom, porque seria uma pena um gostoso como tu ser da polícia. - começou a rir muito alto, como se tivesse ouvido a coisa mais engraçada de todos os tempos, mexia as mãos, me cutucava, tomava goles de uísque do seu copo, roubava goles de cerveja daqueles que passavam, uma hiperativa nata. - Olha só, que bom que tu não cheira. - ela completou muito séria.
- Ah, é, por quê?
- Por que cheirado broxa demais. - o rosto sério se desfez pra cair na gargalhada de novo.
Fiquei quieto mais uma vez, esperando ela acabar de rir. Foi quando ela me disse de novo:
- Mas eu cheiro, cheiro muito. Eu adoro. E acho que tu vai gostar que eu cheire também.
- Hm? Por quê? - respondi, sem entender nada.
- Gato, tu já comeu o cu de uma mina cheirada?

Esse foi o primeiro diálogo que tive com ela. Sério, sem tirar, nem por. Quer dizer, no fim, acabei tirando e botando muito. Aliás, nem foi propriamente no fim, foi bem no meio mesmo: fomos para o banheiro do lugar (que era unissex) e transamos. Nossa primeira vez juntos. Eu sentado no vaso, com os pés na porta para segurar (porque não tinha trinco) e ela em cima de mim, pulando como eu jamais tinha visto mulher alguma pular.

Saímos todas as noites juntos nas próximas duas semanas que se sucederam. Na cama, ficávamos olhando um para o outro, nos acariciando, chegando perto para ver detalhes. Era incrível a quantidade de tempo que ficávamos só olhando um dentro do olho do outro - isso claro quando ela não se levantava pra pegar mais uísque, cheirar uma carreira, acender um baseado ou atacar a geladeira.

- Sabe, gato, depois que começamos a namorar, tô cheirando bem menos, tu me faz bem.

Eu sorri, mais de nervoso que qualquer outra coisa. Era a segunda semana que ficávamos e ela tinha falado “namoro”. Quando é que tínhamos estabelecido que estávamos namorando?

- Ei, nós estamos namorando?
Ela se levantou, a cara transformada pela irritação: - Claro, porra, tu não quer?
- Qu... quer... quero, claro, meu amor, só que...
- Óóóó. - Ela me interrompeu, abraçando-me carinhosamente. - que meigo que tu é. É a primeira vez que tu me chama de “meu amor”, amor.

Engoli em seco e abracei-a com força. Eu tinha certeza que, sob todo e qualquer aspecto que eu utilizasse, aquela era a mulher mais errada que eu já havia encontrado. Isso não me impediu de, um ano depois de começar nosso namoro, oferecer um anel de noivado para ela.

Era a maior loucura, mas ela me dava uma vida que eu nunca tive. Eu me tornara louco também. Mudei tanto que até já estava cheirando junto com ela. Brincávamos que família unida, cheira unida.

Esquecemos o noivado como coisa careta cristã dos infernos e fomos logo morar juntos que era o objetivo final de toda forma. Eu ganhava pouco mais de 600 reais, ela não chegava nem a isso. Obviamente ela não tinha um emprego de verdade, 8 horas por dia. Mila era cantora e cantava em bares, além de vender pinturas que ela mesma criava. Com o par de peitos e a boca que ela tinha, dava pro gasto. A minha grana usávamos pra sustentar a casa, a dela para as drogas.

Éramos um casal feliz e com muita maquiagem preta nos olhos.

Certo dia, não conseguia dormir e fui até o bar onde ela costumava cantar. Cheguei lá, cumprimentei os seguranças, fui até o barman, um sujeito muito simpático chamado Roberto, e perguntei:

- Onde tá a Mila?
O barman pareceu confuso, meio que se gaguejou todo para dizer: - Olha, ela não tá aqui não, parceiro.
- Ela já cantou?
Mais uma vez Roberto pareceu hesitante: - Hm, faz mais de um mês que ela não canta aqui, amigo.
- Quê?
- Desculpe.

Ora, que diabos? Onde ela estava? Como ela não canta aqui há um mês? De onde ela estava tirando dinheiro para nossa cocaína santa de cada dia? Não acreditava que ela poderia estar me enganando, aquilo fez meu sangue ferver. Precisava dar um teco no banheiro.

Servi uma boa dose no banheiro, algo cavalar e mandei ver em exatamente 4 fungadas. Meu nariz ardia, meu maxilar já sentia o fisgão até que ouvi um barulho que me era familiar. O barulho era um gemido baixinho, abafado, e vinha de uma das cabinezinhas do banheiro.

Eu tinha certeza que era o gemido da Mila.

Fiquei algum tempo travado, um pouco pelo susto, um pouco pela coca, até que finalmente me decidi a averiguar o barulho. Botei a mão sobre a portinha, estiquei meus pés ao máximo e lá estava ela.

Mila subia e descia sobre um negro magricelo e que usava uma touca rasta. Olhei meio de canto e constatei: ao menos ela estava usando camisinha. O cara eu também reconhecia, era nosso traficante. Então era assim que ela estava conseguindo o bagulho. Vagabunda!

- Ô, vocês aí. – interrompi, dizendo por cima da porta da cabine.

Mila deu um gritinho e saiu de cima do pau do negrão magricelo em um pulo só, puxando sua calcinha pra cima. Ela estava com olhos arregalados me olhando: - M... me... me... desculpa, amor... é que... eu... nós... é... veja bem...

- Que beleza, heim? - Disse irônico.
- Amor, amor, eu juro, eu só tava...
- Nem esquenta. - Disse com tranqüilidade. - Só me passa esse pacotinho de pó aí.

Mila me olhou sem entender nada.

- Me passa o pó, Mila.

Ela continuou parada. Nesse meio tempo o pau do negro magricela, que ainda não havia dito nada, já estava murcho na camisinha. Não era tão grande assim. Finalmente ela se mexeu, pegou o pacotinho com o nosso abastecimento para o mês e me entregou.

- Valeu, podem continuar. - E fui saindo.
- Ei, ei! Amor, tu não tá chateado? - ela disse, com lágrimas nos olhos.
- Que isso, Mila, tu é uma piranha gostosa, mas tu achou mesmo que eu estava contigo por amor? Só tô nessa pela coca que tu nos consegue fácil. - Virei-me e fui em direção à saída do banheiro. - Divirta-se, amor.

Saí assoviando. Ainda a ouvi chamando meu nome duas ou três vezes, gritando desesperada entre soluços de um choro desesperado.

Touché.