junho 28, 2007

Henrietta

Quem escreve estas linhas é um homem morto. Não se engane, não tem nada de Machado de Assis nisso, tampouco de zumbisagem, vampirismo, vuduzices ou outros quitutes da cultura Zé do Caixão Extravaganza. Tecnicamente ainda não morri, mas isso é questão de tempo. Minutos na verdade. Horas talvez. Mas, sinceramente, não acredito em dias. E se eu não acredito, Henrietta então deve ter toda certeza disso.

Henrietta estava apoiada no beira do balcão e empunhava um Martini com azeitoninha e tudo. Ela exalava uma classe superior, como se não estivesse no mesmo nível que nós mortais.

Classe.

Classe, classe.

Classe, classe, classe.

Quem resiste?

Eu certamente não.

- E o que tu faz?
- Sou a segunda melhor assassina do mundo.

Henrietta fazia o tipo mulher séria, mas que poderia soltar uma piadinha dessas a qualquer instante sem alteração suas feições, como se fosse tudo muito sério. Fiquei encantado com o charme dela. Eu diria que, se todas as malucas que namorei eram caninas, verdadeiras cadelas loucas por atenção, tapinhas e que faziam um tremendo barulho quando latiam, definitivamente Henrietta era felina. Andava com classe, parecia ligeiramente superior ao ambiente em que estava e era furtiva. Cheio que estava de todas as loucas, drogadas, psicóticas e assassinas seriais com quem me relacionei durante toda minha vida, Henrietta parecia ser exatamente o que eu estava precisando.

Uma mulher centrada, linda e inteligente.

Conversamos bastante na festa em si, sem chamar muita atenção, nunca canto sombrio. Ela bebia pouco, estávamos há uma hora conversando e ela sequer tinha tocado seu Martini que repousava tranqüilamente na mesa. Não me deu nenhuma abertura, a maldita, mas consegui arrancar dela o telefone. Já era um começo. Batalhei. Teatro. Cinema. Barzinho. Parque. Até que finalmente consegui o primeiro beijo. Demorou ainda 6 dias e 4 encontros para que finalmente transássemos. Confesso que não foi extraordinário, mas com certeza foi bom.

Comecei a me envolver, envolver, envolver e num período de mais ou menos 3 meses estávamos namorando. Era gostoso demais. Irresistível. Incrível. Estávamos constantemente juntos e parecia que jamais íamos nos encher um do outro. O melhor de tudo é que como ambos éramos autônomos, podíamos nos ver diversas vezes durante o dia, andar pelo parque, fazer um piquenique ou simplesmente fazer uma loucura ou outra - tudo muito comedido, porque Henrietta odiava chamar atenção. A coisa toda foi tão mágica que ela e eu começamos a morar juntos depois de 6 meses de namoro. É verdade que relutou um pouco, disse que essas coisas eram perigosas para o relacionamento, mas eu a convenci no fim com um beijo cheio de sangue e espírito.

“Finalmente achei a mulher da minha vida”, juro que pensei. Enquanto escrevo isso, ainda tenho certeza, mas vou morrer. Não preciso olhar para saber que Henrietta está chorando ao ler isso por sobre meu ombro, porque a dor dela é audível no meu ouvido e queima no meu coração.

Éramos tão loucos um pelo outro e curtíamos tanto a companhia que o único problema no nosso “namoramento” era que Henrietta precisava viajar com freqüência por conta da sua profissão: consultora de moda. Eu tinha um pouco de ciúme, não gostava que ela viajasse, mas era de certa forma bom, porque aí eu tinha algum tempo para me dedicar ao meu último livro - só agora percebo e lamento, permanentemente incompleto por minha prematura morte.

Preciso reconhecer que meu ciúme aumentava a cada viagem, até que culminou no dia fatídico em que ouvi o celular dela tocando enquanto eu chegava em casa com 4 pães quentinhos recém saídos da padaria. Andei pé sobre pé, me esgueirando até onde poderia ouvir o que Henrietta dizia para a pessoa do outro lado da linha:

- Aham, claro, claro. - soltou uma exclamação de desprezo com a língua - até parece que você não me conhece. Sou a melhor no que faço. - pausa. - Claro, vou me vestir bem gostosa pro velho senador, ele não terá nenhuma chance. - mais uma pausa, ela ri - só espero que tudo isso valha a pena, só faço isso porque a grana é boa para este. Certo, viajo para Brasília amanhã. Beijo. - e Henrietta desligou o telefone.

Prostituta?

Não podia ser.

Minha Henrietta transava por dinheiro com um velho senador? Se vestindo “bem gostosa”? Ela usaria a cinta-liga que eu mesmo dei ou tinha um armário particular só para sua prostituição? Em meio a esse turbilhão de pensamento, adentrei o quarto. Henrietta deu um pulinho e soltou uma exclamação qualquer de susto.

- Não vi você chegando, amor.
- Hm, trouxe pão pra gente, pequena. - forcei o rosto sereno. Como eu não sou ator, sempre é possível farejar um “ar de normalidade forçada” quando se faz isso. Henrietta percebeu em um instante:
- Você ouviu eu falando ao telefone?
- Eu? Não? Quem era?
- Um político vai dar discurso e quer que eu o vista, preciso viajar amanhã pra Brasília.
- Ahhh, não! - Reclamei - fique. Henrietta, por favor, não vá. Fique.
- A grana é boa, não posso, tu sabe que a gente precisa, gato.

Ela respondeu à minha cara de desgosto com um beijo demorado e gostoso como só ela sabia dar.

Naquela noite, depois de uma sessão intensa de sexo, coisa que nos esforçávamos mais ainda quando Henrietta ia viajar, ela já estava dormindo nua e esparramada na cama, mas minha cabeça não me deixava fazer o mesmo. A ligação que ela recebera no fim da tarde me martelava, martelava e martelava.

Prostituta?

Certamente tinha de ser outra coisa. Meu ciúme deveria estar me cegando de alguma forma, provavelmente ela nem usou as palavras que eu imaginei. Eu tinha que fazer alguma coisa para provar a inocência da minha amada, a mulher da minha vida. Me levantei da cama da maneira mais silenciosa possível e fui até a mala de Henrietta, pronta para a manhã do dia seguinte. Abri. Retirei primeiro uma calça jeans e uma camiseta básica. Abaixo disso havia um vestido preto de festa, desses com uma longa fenda na perna e que deixam as costas totalmente expostas até quase a bunda. Bem, ela provavelmente estaria na cerimônia junto com o tal senador que deveria vestir, nada de extraordinário levar uma roupa desses. Retirei duas calcinhas minúsculas. Isso não provava nada, Henrietta era muito séria, mas depois que começamos a namorar só usava calcinhas pequenas por insistência minha. Abaixo da calcinha, havia uma pequena bolsinha, que certamente acompanharia o vestido longo preto. Quando a peguei, tive uma estranha sensação de que era pesada demais para ser uma bolsa de mulher. Abri também e o conteúdo era deveras inesperado:

Uma pistola cromada bem pequena.

Enquanto, estupefato, segurava a pequena pistola na palma da minha mão e tentava focalizar a visão, já acostumada com o escuro do quarto, como se não aceitasse o que via, um movimento rápido me tirou a pistola da mão. Eu não percebera, mas Henrietta havia acordado e agora jazia na minha frente totalmente nua e apontando a pequena pistola contra mim de maneira muito decidida - coisa que seria bem difícil de aceitar em se tratando de uma mulher linda, elegante, gostosa e nua.

- Por quê? Por que você foi mexer nas minhas coisas?
- Henrietta, por que tu tem uma pistoila?
- Seu idiota, por que foi mexer na minha mala? Por quê? - ela parecia furiosa, mas o rosto dela hesitava, desfazendo-se repetidamente em uma feição de sofrimento e lágrimas por um breve momento, para logo depois voltar para a cara de raiva. Ela estava se segurando para não chorar.
- Eu ouvi o que você falou no telefone, você é uma prostituta! Uma prostituta para um velho senador! Eu sei que sou pobre, mas isso aí não... - ela me interrompeu com um grito:
- IDIOTA! IDIOTA! IDIOTA! - começou a chorar alto, sem nunca deixar de apontar a arma pra mim com as duas mãos - Como você pode achar que sou uma puta? Seu idiota! Eu te amo tanto e você acha que sou uma vagabunda!
- Me desculpa é que eu...
- CALA A BOCA! CALA A BOCA! BURRO!
- Amor, por que você tem uma arma então?
- Seu idiota, idiota, idiota! Eu sou uma assassina. Me pagam para eu apagar gente. Eu sabia que me apaixonar e morar com alguém era um erro. Eu sabia. Agora você sabe do meu segredo. E tudo por quê? Porque foi idiota, ciumento e burro o suficiente para mexer na minha mala. Agora eu preciso te matar, droga!
- O quê? Você vai me matar?!
- Eu preciso fazer isso. - as lágrimas corriam como rio pelas bochechas de Henrietta.
- Eu posso escrever um conto antes? - pedi. Ela não podia negar o último pedido de um escritor que a amava loucamente e que ela não tinha um amor menor também.
- Pode, mas eu vou te matar assim que terminar.
- Tudo bem.

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