maio 03, 2007

O que é a felicidade?

De todas as formas obscuras e extravagantes que tentei alcançar a felicidade, nenhuma foi mais estranha e esclarecedora do que esta que lhes narrarei adiante (salvo a história do mamão sem sementes, que não conta):

Quando eu era um monge coringuista (sim, pois na minha juventude fui monge coringuista, o que deixei de ser no exato momento em que meu bastão de orações deu a primeira estocada no Buda que há entre as pernas de cada mulher), queria estudar no Tibet. Como não tinha dinheiro para a viagem, comuniquei que iria nadar até lá. Consegui chegar no Tibet. Óbvio que não fui nadando, graças a esse matreiro estratagema, minha família vendeu um rim do meu pai e eu consegui a tão sonhada viagem ao encontro do meu destino - a felicidade do templo grão-coringuista.

O templo ficava no alto de uma montanha, tão alto, mas tão alto, que não dava pra a base da montanha quando se estava lá em cima, já que o templo ficava acima das nuvens. Eu estava tendo minhas aulas na base, que era o lugar para quem sabia que nada durava, tudo passava, etc, etc, mas não sabia pitiba de dharma e o cacete.

Numa das minhas aulas, perguntei ao chinês zarolho “o que é felicidade?”, ele me deu na cabeça com um cabo de vassoura, foi aí que eu disse “o que é felicidade, MESTRE?”. O china doido e muito vesgo me disse:

- Him Zá Xê Môu Cuá Má Má Ma Mâ Mã Mah. - apontando para o topo da montanha.

Meu chinês não era muito bom, desta forma interpretei o sinal dele como “suba até a montanha, pequeno gafanhoto, e lá descobrirá o que é a felicidade zen-coringuista”.

Acontece que o que eu jamais mencionei - confesso, para efeitos dramáticos - é que a montanha era conhecida como “Trituradora de Turistas”, pois muitos tentavam chegar ao seu cume, mas muito poucos sequer conseguiam chegar perto dele e manter a vida, tantos eram os obstáculos tenebrosos, armadilhas extravagantes e azar tremendo dos incautos que se aventuravam na longa subida.

Passei nove dias escalando a montanha, comendo escorpiões, tirando leite de pedra e dormindo de ponta-cabeça (sem nenhum motivo). Acabado, esfarrapado, escangalhado, triturado, sangrando, babando, revirando os olhos, vendo coisas, fedendo, suando, perdendo cabelos, congelando, finalmente cheguei nas portas do meu destino: o grande portão branco dos grão-coringuistas.

Juntei o máximo que pude das forças que me sobraram, podendo no máximo arranhar a porta para que alguém a abrisse. O grande portão branco, medindo cerca de 80 metros de madeira talhada vermelha (não sei porque o chamam de “portão branco”, ainda que “grande” seja um adjetivo que o descreve parcialmente), começou a ranger, abrindo-se lentamente. Rastejei para dentro do templo, faltava pouco para cumprir o desafio e encontrar o grão-mestre coringuista. Olhei adiante e ainda faltavam uns 100 metros para o trono do mestre, com os antebraços esfolados, fui arrastando-me pela areia fina e grudenta do chão do templo. Cada centímetro que avançava parecia dilacerar algum músculo que eu não fazia idéia da existência até escalar aquela maldita montanha.

Entre eu e o mestre, uma eternidade se passou até que eu rastejasse de A até B, ou talvez eu tenha desmaiado algumas vezes, o que explicaria porque às vezes estava chovendo, outras tinha sol e outras ainda eu podia ver a lua. Mas, uma hora ou outra, uma semana ou outra, acabei chegando aos pés do mestre. Olhei pra ele com cara de quem havia sido pisoteado por uma manada de búfalos (o que realmente havia acontecido na subida da montanha, o que é um lugar deveras estranho para uma manada de búfalos selvagem). Consegui esticar minha mão hesitante, tremendo, até o “lençol engraçado” que o mestre-zen usava, pela primeira vez olhei pra cima e pude ver seu rosto, tinha uma longa barba branca, sobrancelhas grossas, igualmente brancas, e sorria bondosamente para mim. Naquele momento tive certeza que um raio de sol iluminava-o particularmente. Ele disse, sua voz soava como algodão doce:

- O que deseja, meu filho?
- Mes...tre... eu.... quero saber.. saber... o que é a... felicidade?

Primeiro ele parou de sorrir, me olhou sério, depois sua boca se abriu levemente, começou a sorrir, o sorriso virou risada e a risada logo se transformou numa gargalhada que ecoava por todo o tempo. Após uns 5 minutos, suas gargalhadas foram diminuindo, até que conseguiu dizer, sem esconder o sorriso de quem estava prestes a explodir de risos novamente:

- Vocês ocidentais são uma piada, atravessam meio mundo, escalam uma montanha especialmente projetada para não ser escalada, só para descobrir que a felicidade não está em nenhum lugar, mas sim dentro de si próprio.

E continuou a gargalhar.

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Este texto faz parte de ABSOLUTAMENTE NADA, mas a conversa foi puxada pelo Cabala 1001. Confira outros pensamentos ali mesmo.