maio 29, 2007

Aline

Duas palavras pra ti:

Mulher. Óculos.

Tem coisa mais paudurecente que uma mulher intelectual? Tá, tem, tá aí a Sabrina Sato, mas deixa pra lá, voltemos às intelectuais. Não digo intelectuais apenas na pose, mas de fato uma mulher do intelecto. Assim era Aline, mestranda em alguma coisa que não me ocorre agora, mas era certamente bastante complexo, teórico e excitante - ou pelo menos assim ela fazia transparecer, pensando bem, talvez ela fosse só uma boa vendedora, vai saber. Ela com certeza era boa com as palavras, mas - acredite quando eu digo, afirmo, reforço, reitero e reafirmo - ela não era apenas boa com as palavras.

Aline inteira era boa.

Pra dizer bem a verdade, lembrava-me muito uma professora. E não era só o óculos grosso que lhe emprestava o tom professoral. Ela vestia-se sempre de maneira recatada, mas as camisas sóbrias que lhe pressionavam os seios, entre médios e grandes, não escondiam a delícia contida sob as roupas. O cabelo era escuro, liso e sempre bem preso. Tinha uma expressão sisuda e andava num passo rápido enquanto carregava sua eterna pilha de livros contra o peito, mas sua boca carnuda, mesmo séria, fazia o tempo parar. Pensando bem, nunca tive uma professora tão gostosa. Professoras não são assim. Ao menos as minhas não eram. E as tuas? Aline era aquele estereótipo gostoso do imaginário acadêmico pornô: séria e transpirando sexualidade. Sempre tive essa teoria: mulheres sérias das duas uma: ou choram ou dão como loucas. Saia pra beber com uma mulher séria. Se ela não começar a chorar, ela dá.

E, meu irmão, dá muito.

Esse era o caso de Aline. Quando a vi pela primeira vez, ela era totalmente certinha, séria, ereta, controlada - quase espartana, se esse adjetivo não fosse tão gay em tempos de Frank Miller. Mas quando consegui arrastá-la pra fora do clube de xadrez para um barzinho, o óculos foi descendo, a blusa se desvencilhando de alguns botões, umas mexas do cabelo se perderam do rabo de cavalo e a boca, outrora séria, dava largas gargalhadas - prontamente contidas com a mão, como se sentisse vergonha de si mesma.

Ah, Aline, que mulher.

Se nós transamos? Meu amigo, lembra da minha teoria que mulher séria que não chora dá? E dá muito? Teoria comprovada. Aline quando soltava o cabelo e colocava os óculos na cabeceira - ou em cima da mesa, na pia do banheiro, no chão, soltava na escada, sobre a máquina de levar, na grama, na calha do telhado, no porta-luvas, sobre o capô, no tapete, enfim, em todos esses lugares em que a atividade sexual é possível - o bicho realmente pegava.

Como uma mulher inteligente demais, sexy demais e que fechava totalmente comigo na cama, não demorou nada para que começássemos a namorar sério. Íamos a bares, restaurantes, museus, cinemas, operas, parques, viajávamos e acima de tudo discutíamos sobre tudo. Não me refiro a discussão no sentido ruim, aquela lenga-lenga de casal mala, mas sim discussões sérias, sobretudo teóricas. Tenho a impressão que falamos tanto sobre tantas coisas relevantes que, no ínterim do início e o fim do nosso namoro, acabamos sem querer desvendando o segredo da vida, do universo e tudo mais - o que é bem provável que tenhamos esquecido logo que o próximo assunto entrou na nossa rinha teórica.

Você, que me conhece, deve estar se perguntando como eu, que sou eu, poderia discutir com semelhante templo do saber. A pergunta é válida e fazes muito bem ao proferi-la. Eis a resposta: óbvio que eu sempre perdia as discussões, era o nosso joguinho. Enquanto a minha teoria era todo adquirida de consultas esporádicas ao wikipedia, bem como freqüente formulações embasadas sobre forte teor alcoólico de boteco com amigos tão cultos quanto é possível ser sendo criados e mantido por Tarantino e toda sorte de cineasta descolê, a dela era ultraembasada em autores clássicos da filosofia, cientistas renomados e geniozinhos da modernidade.

Não tinha como competir.

Certa feita estávamos nus sobre a nossa cama e eu tentava convencê-la de que Einstein tinha sacado só uma parte da relatividade, que toda essa história do tempo ser relativo não era tudo que havia de ser. Ela contestou, com toda a razão que o universo poderia oferecer, e eu contra-argumentei que não só o tempo era relativo, mas tudo era relativo - citei ainda a teoria teórica das supercordas ou qualquer coisa quântica do gênero, mas ela sabia tudo sobre isso também e me explicou que não era nada daquilo, mas sim blábláblá whiskas sache e acabamos transando mais uma vez.

Sabe, essa história de saber tudo sobre tudo já estava me dando nos nervos. Sério. Acho que eu uma hora me enchi de perder em todas as discussões, de modo que tentava arduamente vencê-la em alguma. Mas como eu era um maldito de um preguiçoso intelectual que me limitava ao Google e ao Wikipedia, obviamente jamais logrei êxito, eu não tinha a menor chance.

Aline reinava suprema no campo teórico.

- Sabe porque decidi namorar você?
- Porque sou o maior gatão que você já viu e que faço tu subir pelas paredes?
- Não, seu idiota - ela me respondeu toda sorridente e dando um tapinha amistoso na minha mão - é que você é incapaz de trair.

Fiquei uns instantes sem ação, refletindo sobre aquilo.

- Heim? - sentei na cama, um pouco irritado, mas bem de leve.
- Você é incapaz de trair.
- Que negócio é esse, Aline? De onde você tirou isso?
- É uma das minhas teorias... - ela começou a me explicar, era um troço realmente muito complexo, passava desde a minha criação, meus pais, a forma com que eu cortava as unhas e fazia a barba e mais um monte de coisas que, pra mim, não tinham conexão alguma.
- Isso é uma bobagem, é claro que eu posso te trair.
- Você já me traiu?
- Ora, claro que não, eu te amo.
- Viu?
- Viu o quê?
- Minha teoria está certa, você não consegue trair.
- Eu conseguiria se quisesse!
- Duvido, a teoria não falha nunca. Acredite, eu sei o que falo. Segundo Freud... blábláblá whiskas sache, você já sabe o que vem por aí, pulemos essa parte.

Eu nunca tinha traído nenhuma das minhas namoradas, mesmo sendo o maior galinha quando solteiro. O pior de tudo é que ela tinha razão. Aquilo me deixou puto da vida. Realmente irritado. Porém, tudo aquilo poderia se desdobrar a meu favor.

Eu era um homem com um plano.

Decidi-me a trair Aline. Não podia ser tão difícil, não é verdade? Peguei minha agenda telefônica no celular e percebi que tinha apagado todos os telefones das gostosas que eu costumava sair. Não me desesperei, no Orkut consegui o contato de algumas delas, a maioria ficou feliz em ver que eu voltara a fazer contato. Escolhi a mais diferente de Aline: alta, loira, pouco peito, muita bunda, completamente patricinha. A coisa em si foi rápida e mecânica, em nome dos velhos tempos pedi para bater uma foto enquanto eu a beijava na cama. Estava feito. Eu não só tinha traído Aline, como tinha provas disso. E ela sequer poderia dizer que o fiz porque ela era parecida ou coisa assim. Eu finalmente ganharia uma discussão.

Abri a porta da nossa casa assoviando e apalpando a foto, a prova do crime e a derrocada teórica da minha rival, no meu bolso direito. Vi Aline de pé, olhava para a porta e sorria. Ela estava com o cabelo dividido entre duas chuquinhas, uma para cada lado, usava uma sainha de colegial azul marinho, meias 3/4 brancas e uma camisa, igualmente branca, totalmente aberta. Tinha um cálice de vinho na mão e com a outra acariciava com o indicador sua boca carnuda.

Corri ao encontro (e de encontro) à boca macia e quente da minha namorada. Depois de transarmos loucamente, disse:

- Eu venci.
- O que, meu gato?
- Sua teoria estava errada.
- Qual? - Ela não conteve uma risadinha incrédula.
- Eu te traí.
- O quê? - Ela sentou-se na cama, seus seios balançaram e aquilo foi quase como música para meus ouvidos. Nossa que mulher, eu ainda pensei.
- Aqui está - tateei o bolso da minha calça e alcancei a foto sobre ela.
- Mas isso... não... mas... não pode... impossível.
- É gênio, eu venci. - Abri um largo sorriso digno do Coringa. - Eu. Ven. Ci. VENCI. – gargalhei loucamente.

Aline se levantou, vestiu-se calada. Ajudei-a a fechar o sutiã, como sempre fazia. Ela não disse uma palavra. E foi assim que ela foi embora da minha vida para sempre.

Parece que eu venci, mas no fundo perdi a mulher da minha vida. Minha primeira incursão no mundo da teoria foi um péssimo negócio.