abril 10, 2007

Dossiê Fraude de como criar uma banda de sucesso

Esse texto precisa de uma cerca contextualização. Foi escrito em 2002 e publicado no extinto fraude.org. A série "Dossiê Fraude" foi na verdade inaugurada pelo Cardoso, aquele mesmo do Cardoso Online (ele jamais escapará dessa alcunha), um sujeito que sempre foi uma grande influência ("cópia" alguém grita da platéia) pra mim, inclusive até hoje tenho uns maneirismos do inferno (sic) que não perdi, tudo por influência do que ele escrevia. O Cardoso escreveu Dossiê Fraude Para O Suicídio Nos Anos 2000, Dossiê Fraude Sobre As Mulheres Das Quais Devemos Manter Distância (pra mim o melhor!), Dossiê Fraude Sobre As Drogas Esquisitíssimas (genial!) e Dossiê Fraude Sobre Animais Que Parecem Comestíveis A Primeira Vista Mas Na Real Tem Gosto De Cu. Claro que esse dossiê não chega aos pés dos que escreveu o Cardoso, mas mesmo assim, decidi que seria legal deixá-lo por aqui.

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Sensação entre 10 em cada 9 adolescentes dos anos 90, a busca por mulheres fáceis e drogas pesadas através do sucesso histérico dos palcos vem perdendo adeptos gradativamente a medida que o século XXI se consagra como o século da barulheira produzida por um homem e dois toca-discos apenas. Mas não há motivos para desanimar, nem tudo está perdido, afinal ainda temos na nossa juventude alguns gordos e cabeludos vestidos de preto prontos para assumirem a impagável missão de pagar um micão dos infernos em cima de um palco improvisado e brandindo instrumentos toscos e desafinados demais pra caralho. Esse é o espírito do bom e velho rock´n´roll revisitado neste DOSSIÊ FRAUDE DE COMO CRIAR UMA BANDA DE SUCESSO.

A escolha do nome

Ok, você já sabe fazer quase 3 acordes naquela viola velha, com cordas de nylon, que o seu irmão mais velho deixou encostada atrás da porta quando decidiu ir morar numa comunidade hippie em São José dos Ausentes e já reuniu mais dois ou três indivíduos que também estão aprendendo, de maneira autodidata, a arte de gerar reclamações dos vizinhos do prédio. Está na hora de começar a levar a sério esse negócio de banda, já que seus pais começam a levar muito a sério a possibilidade de te colocar pra trabalhar no escritório do velho.

O primeiro passo para ser reconhecido em público é, obviamente, ter um nome pra ser lembrado. Qualquer coisa que envolva duas ou três palavras em inglês está bom. Mas a escolha mais acertada vem da inclusão de palavras como Devil, Hell, Bloody, Kill, Die, Demon, Pain, Doomed, Fuck e outras escatologias. Não tente combinar tudo junto: "Fuck & Kill the Doomed Hell’s Demon or Die in Bloody Pain" pode parecer um bom nome, mas o exagero, nestes casos, não facilita muito a memorização do nome, a não ser que você queira que sua banda seja chamada por uma sigla cheia de iniciais idiotas e possivelmente confundida com um desses grupos de pagode-pop-melódico com mais de 30 integrantes.

Indumentária

Esqueça essa história de "menos é mais", no mundo da música "mais" é sempre "mais. Exagerar e perder a elegância são sempre fatores que contribuem com a perpetuação do sucesso. Coisas tenebrosas e ridículas como as fantasias performáticas do Kiss, os leques gigantalhuscos do LOCOMIA e o BALDE na cabeça do guitarrista que substituiu o CARTOLUDO Slash no Guns´n´Roses são lembrados até hoje devido a sua excentricidade e, porque não dizer, coragem de aparecer em público com tais vestimentas, arriscando inclusive que os pais dos sujeitos tivessem um ataque cardíaco.

Vista muito preto misturado com cores berrantes e/ou completamente destoantes entre si. Acessórios não utilizados para vestimenta, como velas, peças de computador e caixas de papelão são bem-vindos. Não siga nenhuma moda. Haja como se estivesse em um desfile: tudo que as tops usam é muito ridículo, mas em breve as pessoas estarão usando só porque você colocou aquela bizarreira no corpo.

Performance

Muito importante para cativar as platéias em um show ao vivo, a performance teve ser muito bem pensada antes de ser finalmente executada ao vivo. Nada de sair improvisando, a não ser que você queira que a banda fique conhecida por tragédias desastrosas no melhor estilo Comichão e Coçadinha.

Coisas muito loucas que não estão preparadas, e devidamente ensaiadas, podem acabar muito pior do que você imagina. Incendiar o próprio corpo, por exemplo, não é uma boa idéia, mesmo que você tenha visto alguma banda nazista fazendo-o. Jogar-se na platéia nem sempre é uma sensação agradável, além de correr o risco de se quebrar todo se o pessoal não te pegar, ainda tem o problema de você deixar alguém paralítico como é o caso do Tony Tornado. E vomitar sangue está fora de questão, sem alguma prática você acabaria engolindo um pouco de tinta e teria de acabar mais cedo o show para vomitar de verdade ou descarregar aquela caganeira dos infernos no backstage.

Lidando com groupies

Mais cedo ou mais tarde você acabará tendo um fã clube, ou o que quer que se assemelhe com isso e não seja organizado pela sua mãe.

Groupies são uma coisa bem legal se você souber se controlar. Autografe quantos seios quiser, mas não coma nenhuma delas, pelo menos quando ainda forem um grupo tão pequeno que todas se conhecem. Se você agasalhar o croquete acústico em alguma delas, inevitavelmente as outras vão querer também, se a groupie disser que você for bom, ou vão te desrespeitar pelo resto da sua vida, se a groupie disser que você foi ruim no grande vai e vem. De um jeito ou de outro você acaba perdendo o seu fiel grupo. Se comer todas elas se enchem de você e se comer só uma elas vão ficar com raiva, espancar a guria e se encher de você depois.

O negócio é manter-se afastado das groupies, por enquanto, para preservar sua "intocabilidade". Astros do rock não são acessíveis. Não muito.

Morte

Uma forma inigualável de fazer sucesso é com a morte de um dos integrantes da banda, principalmente em pleno palco. Morrer é a forma 100% garantida de vender milhões de discos e fazer a banda (ou o que sobrou dela) deslanchar durante bons anos enquanto especiais sobre o defunto são reprisados todo ano no dia da fatídica morte e videntes afirmam categoricamente que viram sombras atrás do mais novo morto de sucesso.

Este método só não é mais utilizado porque em geral os mesquinhos, e metidos a futura estrela, que integram a banda não estão muito dispostos a se matar. Nem mesmo em prol do sucesso garantido. Mas se você tem um conhecido aspirante a gótico suicida, convide ele pra tocar, nem que seja um chocalho, prepare aquele fio desencapado esperto, sugira que ele entre no palco completamente molhado e de pés descalços, enquanto comenta morbidamente "molhado assim você vai estourar nesse show, cara".

O primeiro disco

Depois de seguir estes passos e/ou ter alguma sorte, sua banda finalmente gravará seu primeiro disco. O primeiro é sempre um marco: ou fracassa totalmente e nenhuma gravadora jamais colocará um centavo no seu bolso de novo ou o discão é um sucesso e pra sempre você será acusado de estar tornando-se "pop" a cada disco novo, mesmo (ou por causa) que estes vendam como água no deserto.

A melhor solução para a falta de grana pra produzir o primeirão é fazer uma capa bem trash e dizer que está é a proposta do disco. Vale de tudo: largar giz de cera e papel na mão da sua sobrinha de 3 anos, juntar as fotos amadoras da banda e fazer uma colagem, falar com aquele seu amigo publicitário/tatuador e pagá-lo em cerveja ou maconha ou, se tudo mais falhar, tirar uma foto dos integrantes em um lixão ou coisa parecida, com cada um olhando pra um lado diferente.

Alcançando o sucesso

É isso aí, campeão. Seguindo todos esses passos você inevitavelmente acabará como estrela do mundo do rock ou chamado de vagabundo por aí, em todo caso você vai conseguir evitar, ao menos durante alguns anos, a rotina estressante de trabalho e poderá encher a boca pra dizer "eu sou músico, gatinha".

E se você chegar lá, não se esqueça de começar a reclamar de como o sucesso é uma droga e que você gostaria de ser um joão-ninguém. Estar satisfeito não vende música.