abril 02, 2007

Bíblia anos 2000: O Filho e o Pai Pródigos

Fiódor Mikháilovitch 7:16 - “Não, o que o aniquila, na verdade, é um único fato: o cadáver de seu velho pai! Se se tratasse de um simples assassínio, considerando as dúvidas que acarreta cada um dos fatos, quando examinados separadamente, teríeis repelido a acusação ou, pelo menos, vacilaríeis em condenar um homem baseando-vos apenas numa prevenção, infelizmente muito justificada. Mas estamos em presença de um parricídio! E isto influi a ponto de exagerar a importância dos fatos apresentados pela acusação, mesmo nos espíritos mais livres de preconceito. Como absolver tal acusado? ‘E se ele for culpado e escapar do castigo?’”

xxxx yhvh xxxx


- Vai lavar a louça, guri! - Gritou o pai, sentado em sua cadeira de balanço e fumando um cachimbo de ervas aromáticas.
- Velho filho duma... - resmungou o filho, tomando cuidado para não ser ouvido pelo pai, enquanto andava em direção a pia da cozinha para completar suas tarefas domésticas. Desde que sua mãe morrera, tudo tinha ficado mais difícil. Ele sendo o mais novo, era praticamente a mulherzinha da casa. O pai era um vagabundo que vivia bêbado andando em zig-zag entre os dois únicos puteiros da cidade, o irmão mais velho era quem realmente sustentava a casa sendo vendedor de enciclopédias e ele, pobre coitado, era a empregada que deixava tudo limpo.

Acontece que apesar da cidade ser bastante pequena, seu pai dispunha de uma boa quantia de recursos (que guardava com punho de aço cerrado embaixo do seu colchão d´água), de modo que há cerca de um ano havia instalado um Pentium II na sala com acesso a internet. Sempre que seu pai adormecia na cadeira de balanço, o filho ia até o computador escondido dar um conferes no histórico, que invariavelmente tinha todos os endereços mais escabrosos de putaria que a internet oferece.

Certa feita, o guri estava no computador quando recebeu em seu e-mail um convite para o Orkut enviado por um de seus vizinhos. Completado o cadastro, o garoto viu um mundo de oportunidades abrir-se diante dele. Aquelas pessoas trocavam scraps, escreviam depoimentos e participavam de comunidades tinham certamente muito a dizer. Sua lista de amigos logo cresceu e a comunidade que mais participava era “Sexo, Drogas e Psy”. Não demorou para que duas amigas de Orkut, notoriamente bissexuais espalhafatosas, o convidassem para a próxima rave. O filho disse que não poderia ir, que morava há mais de 100km de distância da capital e que seu pai não deixaria. A resposta foi clara como água e eloqüente como Hitler: apenas uma foto enviada por MSN das duas se beijando enquanto uma delas tinha a mão esquerda por dentro da blusa da outra, bem na altura do seio.

O garoto decidiu que faria o impensável.

Mas para fugir de casa, precisaria de provisões. Isso seria fácil arranjar, mais fácil do que poderia parecer, bastava entrar no quarto do pai e pegar o dinheiro embaixo do colchão. Se fosse pego entrando no quarto do pai, certamente tomaria aquela surra de relho. Se o pai descobrisse que era pelo dinheiro, então aí sim tomaria um tiro de 38 no pé. Mas se o pai sequer desconfiasse que o roubo do dinheiro era para fugir de casa, certamente lhe comeria o cu e o enforcaria depois disso. Por sorte a fuga era definitiva, decidira o filho, portanto precisaria pegar o máximo de dinheiro que pudesse carregar em sua mala.

O garoto fez exatamente isso, durante a dormida regular do pai na cadeira de balanço. “Sexo, drogas e psy me esperam na capital, issá!”.

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Transcorridos dois anos após o sumiço do filho e, maldito seja, do dinheiro que guardava embaixo do colchão, o pai pouco se lembrava dele. Não sentia mais ódio pelo filho que havia quebrado suas finanças pessoais, fazendo-o mudar-se para a capital para trabalhar como torneiro mecânico após o casamento do filho mais velho. Ter de se sustentar novamente era um caos, o macacão da fábrica pinicava, ele suava como se fosse um boi dentro daquilo - e o telhado de brasilit não ajudava nem um pouco nos dias de sol intenso.

Porém, dois velhos hábitos não perderia jamais, por mais pelado de grana que fosse: beber feito gambá e foder putas como se não houvesse amanhã. Trabalhava pra isso: pagar bebidas e mulheres, seu vício contínuo.

Claro que o glamour havia se esvaído, em vez de ir a puteiros onde bebia e apalpava toda mulher, pegava sua Brasília 67 e cruzava a Av. Farrapos, conhecida por seu vai-e-vem noturno em busca do vai-e-vem pago, se é que me entende. Bom, e pra falar bem a verdade, não tinha dinheiro para conseguir putas de verdade, desta forma o velhote taradão abordava os travestis da área - que diferença fazia? Era até melhor, eles davam o cu.

O velho avistou logo adiante na avenida um alvo perfeito: um travecão de longos cabelos loiros, bastante magro, vestido branco que sequer cobria metade da sua bunda, um par de seios de silicone enormes totalmente pra fora do vestido e pra completar botas também brancas que iam até um pouco acima do joelho. A escuridão da rua aliada a bebida do velho obviamente não deixava notar o queixo quadrado do travesti, tampouco que sua maquiagem estava toda borrada e que seu nariz recentemente sangrara por causa do excesso de pó.

Parou o carro, abriu a janela que desceu de maneira não uniforme, primeiro a parte esquerda e depois meio enviesada a ponta direita, e disse:

- E então, gatona, qual o teu nome?

O travesti dobrou o corpo para enfiar a cabeça pela janela aberta e respondeu: - Guta, meu safadão. - Antes que qualquer coisa além disso pudesse ser dita, ambos cruzaram os olhares, primeiro de reconhecimento, depois de espanto e logo em seguida pavor. O velho então gaguejou o melhor que pode:

- Gustavo, meu filho, o que você está fazendo, rapaz?

O filho travestido do velho deu as costas rapidamente, sem sequer ouvir toda a frase do pai, e saiu correndo. A bunda saltitante cheia de silicone do filho, metade pra fora do vestido e, agora podia notar, ostentando uma calcinha fio-dental vermelha foi a última coisa que o velho viu antes de ter um ataque do coração e morrer ali mesmo.