março 10, 2007

Operação Mindless Fuck

O caminho do caos - “Um acidente de trânsito, barreiras policiais e protestos convulsionaram o acesso e o centro de Porto Alegre ontem, causando transtornos e fazendo com que muitas pessoas se atrasassem para trabalhar”. Leia mais na Zero Hora de 9/mar/2007.

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XX-NULL-XX


“Tudo que aqui está escrito é mentira. Inclusive isto.

“Algumas pessoas acreditam em coincidências, destino, intervenção divina e tudo mais. Nós não acreditamos em nada disso, somos loucos. Os loucos por viver, por chorar, por rir, os loucos pedindo ajuda e salvando o mundo. Somos os loucos zen-lunáticos de mochilas nas costas. Loucos incrédulos e ao mesmo tempo cheios de fé num bando de coisas extravagantes e insólitas, ainda que muito divertidas”.


XX-I-XX


Cabelo e barba grisalhos, bochechas rosadas e cheias que acompanhavam o desenho estufado do corpo com cerca de 1,75 de altura, o professor de Marketing Estratégico era uma figura simpática e passava todo o tempo da aula falando numa variação de conteúdo, piadinhas sarcásticas e muitas informações randômicas sobre conhecimentos mais randômicos ainda. Completava seu ar de intelectual bonachão o óculos de lentes ovais e aro fino metálico, falava alguma coisa sobre como as pessoas faziam opções baseados em fatores totalmente irrelevantes e, em grande parte, desconhecidos até mesmo por quem escolheu dentre A, B ou C:

- ...pergunte por exemplo para um casal apaixonado por que se casaram? Vão apontar coisas estranhas e totalmente subjetivas, como “as sobrancelhas grossas”, “o seu sorriso angelical”, “o inigualável jeito de andar” e mais um monte de coisas que, convenhamos, não fazem...

Enquanto o professor falava dos devaneios das escolhas humanas, o Aluno na última fileira refletia sobre sua terceira aula seguida com aquele professor. Com um físico entre médio pesado e gordo, cabelos castanhos meio curtos e muito revoltados, olhos também do tom do cabelo e barba por fazer, não se destacava particularmente em nada por sua aparência. Talvez a única coisa que fosse diferente, ao menos um pouco, era o modo com que se vestia nesses seus vinte e poucos anos: usava sempre camiseta preta com algo descontraído estampado, como a figura em alto contraste de Marlon Brandon em O Poderoso Chefão, calça jeans desbotada pelo uso, não pela fábrica, Allstar sujo e uma pulseira de couro com spikes. Observava atentamente a aula com um sentimento muito esquisito de que algo fazia sentido demais naquela aula. Estranhamente estava prestando atenção. Era sua terceira aula e ele, ineditamente, havia ficado até o final. É preciso dizer que o Aluno jamais fora aplicado, não quer dizer que era um mal aluno, apenas não precisava prestar atenção para se dar bem, provavelmente porque os padrões eram de toda forma nivelados por baixo, de forma que saia sempre no meio da aula para fazer qualquer coisa, como fumar um baseado ou beber uma cerveja. Mas este não era o caso, o professor parecia ter um estranho magnetismo sobre toda a turma:

-...vejam por exemplo essa garrafa - levantou uma garrafinha plástica de Pepsi, dessas de 600ml ou coisa assim - não notam uma mensagem muito clara no rótulo dela? Olhem com atenção, vejam estes ícones...

O professor andava por entre as fileiras de cadeiras da sala de aula apontando com o indicador em alguns dos ícones que apareciam gravados, coisas como um avião, celular, a torrei eiffel, essas coisas, até que começou a se aproximar do Aluno.

- ...isso lhes passa exatamente o quê? O que sentem? Não se sentem com uma vontade estranha e quase sobrenatural de observá-los mais de perto?

O Aluno teve um estalo estranho atrás da sua cabeça, aquilo só poderia significar uma coisa: estava em perigo - ainda que não soubesse intelectualmente disso, seu corpo sabia e estava reagindo. Após o estalo seco atrás do pescoço, como um graveto se partindo, o mundo pareceu parar por um instante para ele, foi quando o Aluno viu a si mesmo, como se estivesse flutuando perto do teto por sobre seu corpo que jazia sentado na última classe, uma luz amarelada saia do topo da sua cabeça. A luz tinha a forma de um braço elástico que foi diretamente no sentido do professor, dando um tapa fortíssimo na garrafa que estava na mão do professor que, desprevenido, deixou-a cair no chão.

- ...ops, escorregou...

De volta em sua carteira, o Aluno levantou-se de súbito e saiu correndo da sala, mal tendo tempo para pegar seu caderno que nunca usara para outra coisa que não rabiscar ao léu em busca de símbolos de poder. Por precaução, enquanto corria para fora da sala, manteve pressionado por alguns segundos o número 9 em seu celular.

Era o código.

XX-II-XX


Ema era levemente oriental, muito de leve mesmo, sempre com os olhos bem maquiados de preto, tinha um piercieng de argola na sobrancelha direita e um cabelo bastante alegórico: curto em sua grande maioria, sempre espetado com gel, porém com uma franja gigantalhusca torta, espetada também de gel, que lhe cobria a metade esquerda do rosto até pouco abaixo do nariz. Por ter um corpo muito esbelto, pra alguns até levemente anoréxico, era difícil precisar se era homem ou mulher em seu visual semi-andrógeno. Usava blusinhas apertadas junto com uma faixa que lhe apertava o pouco de seio que tinha, parecendo um menino, mas também usava saias plissadas muito curtas e meia arrastão rasgada que lhe davam o ar de menina. Era uma figura bastante notoria no meio de uma multidão de comuns, mas bastante parecida com qualquer freqüentador do Bell’s, Bambu’s e todas esses Psycho-Emo-Punk-Harry-Potter Spots tradicionais da cidade. Poderíamos até admitir que nem se parece assim tão com um menino, apesar do cabelo, rosto andrógeno e ausência de peitos, mas não tiraríamos essa mesma conclusão quando a víamos de calça frouxa agarrando sua pequena namorada pelos cabelos enquanto a beijava enlouquecidamente sem o menor constrangimento no shopping ou no Beco, seu lugar preferido à noite depois da cama.

Tempos modernos.

Ela sacudia-se no escuro em sua cama ao som quase ensurdecedor de Dirty Pretty Things, quando de repente viu que seu celular piscava, alguém a estava chamando. O número não deixava dúvidas de quem era. Levantou-se de um salto, vestiu seu allstar coturno preto com detalhes laranja, cuja ponta de borracha tinha algumas manchas de caneta azul que eram imprecisas no momento. Desligou o som que gritava “give me something to die for...” que ela cantava alegre e em bom tom. Continuou assobiando a melodia ao sair de casa.

Andou duas quadras no escuro da noite mal iluminada pelos postes e pela lua até achar o orelhão. Pegou seu molho de chaves, escolheu uma delas, abriu a lateral do orelhão com uma das chaves, mexeu em alguns fiozinhos e disse “voilà”. Tirou do gancho e discou o primeiro número. O telefone foi atendido sem nenhuma saudação, nada de “alô”, “pronto” ou derivadas, foi apenas atendido, ao passo que Ema disparou sem também qualquer apresentação:

- Ei, aqui é a emotiva maravilha, o gato subiu no telhado de rufus park acompanhado do coelho branco.

E desligou o telefone.

Discou o segundo número, desta vez não sabia de cor e precisou olhar na lateral do seu tênis o telefone que estava rabiscado de caneta vermelha. Novamente o telefone foi atendido sem nenhuma saudação:

- Ei, aqui é a emotiva maravilha, o gato subiu no telhado de rufus park acompanhado do coelho branco.

Mais uma vez desligou o telefone.

Discou um terceiro número e a cena se repetiu: - Ei, aqui é a emotiva maravilha, o gato subiu no telhado de rufus park acompanhado do coelho branco. - Após esta terceira ligação, desligou o telefone e saiu andando sem pressa em direção à parada de ônibus. Alguns segundos depois um estrondo foi ouvido.

Do telefone público que Ema usou só restara cheiro de queimado e pedaços espatifados pra todo lado.

XX-III-XX


O lugar onde esperavam as quatro figuras misteriosas era de um prédio abandonado do centro da cidade. A construção jamais fora terminado de modo que servia de abrigo para diversos mendigos e outros sujeitos com motivações deveras escusas. Misteriosamente o 3o andar, onde estavam reunidos as 4 pessoas, não era ocupado por nunca por ninguém além deles mesmos. Aquele prédio era o ponto de encontro.

- Porra, que merda, cadê aquela sapatona! - disse impacientemente Steroid Freak para as outras 3 pessoas que estavam no recinto. Steroid Freak era um sujeito de quase dois metros de altura e perto de 200 quilos de músculos extravagantemente desenvolvidos de maneira psicótica. Como tinha muito orgulho do seu corpo deformado por excesso de músculos, andava invariavelmente de sunga e besuntado de óleo.

As outras três pessoas que estavam no andar abandonado eram o Aluno, Alquemiss e Ana Terra.

Alquemiss era uma mulher linda, dessas que não há quem não fique embasbacado ao ver deslizando pelas ruas e avenidas. Tinha uma boca carnuda, pele cor de oliva, olhos e cabelos muito negros. Com mais curvas que uma estrada para a serra, Alquemiss podia ser tão perigosa quanto. Ela usava um vestido vermelho com um comprimento menor e um decote maior do que o bom-senso exigiria numa noite no centro da cidade e por sobre o vestido usava uma capa, também vermelha, com um capuz sobre a cabeça.

Ana Terra era uma mulher forte. Tinha a pele morena do sol e olhos muito inquisitivos e poderosos. Era claramente descendente de latinos, porém não brasileiros. Índios brasileiros talvez. Usava um chapéu de palha trançada, típico de camponeses do interior da Guatemala, Nicarágua ou um desses países que ninguém sabe ao certo o que fazem. Além do chapéu estranho, usava um lenço branco sobre a cabeça, que parecia fazer parte do seu longo vestido branco, aliás, vestido é modo de dizer, parecia mais um sari indiano. De certa forma ela poderia ser indiana - ainda que provavelmente não fosse mesmo. Cobrindo-lhe todo o rosto abaixo dos olhos, usava um lenço verde com símbolos rosa fraco que havia traçado com fins mágicos. Foi ela que, em resposta a impaciência de Steroid Freak, falou dirigindo-se ao Aluno:

- Enquanto esperamos a Ema, por que tu não explica por que nos chamou?

- Não é preciso - disse Alquemiss - eu sinto que Ema está aqui já.

Cinco segundos depois, Ema abriu ofegante a porta do 3o andar. - Desculpem a demora, tive que me desviar de alguns Detetives da Psique no caminho.

- Dê Pês a essa hora? Eles devem estar esperando algum ataque. - respondeu Ana Terra.

- ...ou estão preparando-se para atacar. - falou o Steroid Freak sombriamente.

- Bom, isso não importa agora. Então, Aluno, o que é que há, velhinho? - Ema cortou o assunto iniciado por ela mesma, sentando-se em uma caixa de madeira perto do centro da sala.

O Aluno jogou no chão e apagou com a ponta do tênis o cigarro que fumava e ainda não chegara na metade. Retirou sua mochila amarela das costas, abriu o ziper e tirou uma garrafa de 2 litros de Pepsi. - Vocês já viram isso?

- Claro que não, só tomo Coca. - disse Alquemiss.

- Exatamente. - Sorriu o Aluno.

- Exatamente o que exatamente? - Levantou-se Steroid Freak, chegando próximo do Aluno.

- Eles estão armando sua nova jogada e se comunicando pelo rótulo da Pepsi. Como essa droga não segue padrão nenhum, podem mudar o rótulo quando quiserem. Os símbolos são o código, está claro.

- E o que significam? - interpelou Ema arrumando sua franja para que pudesse enxergar direito a garrafa.

- Não está claro? - respondeu o Aluno.

- Não? - Ana Terra falou, olhando para os outros para ver se era a única confusa no lugar. O que podemos afirmar com certeza que não era.

- Foi por isso que eu chamei vocês, pra gente descobrir. Vamos invocar Abulafia.

- Aaaaah...- ouviu-se em uníssono um suspiro de desalento de quase todos os integrantes da sala. Aquela seria uma longa noite.

- Temos tempo de pedir pizza antes? - Perguntou Steroid Man, olhando o relógio de bolso que guardava na sunga.

- Qual das 10 Sephira vamos usar? - Disse Ana Terra, com ar preocupado.

- Como assim, qual? A décima primeira, Daath, o caos. - Sorriu o Aluno.

Mais uma vez se ouviu em conjunto aquele suspiro de desalento que todos faziam quando o trabalho seria difícil e arriscado.

Banimentos feitos, pizzas comidas, os 5 estavam sentados em círculo no chão, em posição de lótus, a não ser Steroid Freak que não conseguia dobrar as pernas apropriadamente pelo excesso de músculos. No centro do círculo, haviam desenhado a árvore da vida com uma Sephirah extra, justamente Daath, entre Chokmah e Binah. Sobre o círculo de Daath estava “O Pêndulo de Foucault”, livro de Umberto Eco, aberto entre os capítulos 2 e 3.

De repente um terrível vento foi sentido por todos, uma ventania tão desgraçada que até o cabelo cheio de gel de Ema mexia-se ao sabor dele. Não estavam mais no prédio abandonado, estavam num lugar muito diferente. Tinha um teto muito alto, era inteiramente branco e espaçoso. A única coisa além dos 5 ali era um computador, que jazia no centro do grande lugar numa mesa cheia de papéis com anotações. O computador parecia ser um modelo muito antigo, pra se ter uma idéia, o monitor estava no DOS e tinha somente duas cores: fundo preto e letras verdes bem pixeladas. O Aluno foi o primeiro a se aproximar, claramente era o único empolgado em rever aquele computador. Na tela, bem no topo, estava aparecendo apenas:

> 4 8 15 16 23 42

E logo após o cursor piscava.

- Não, não, esqueça isso, Abulafia. Não vim aqui pra essa bobagem. Essa eu já sei inclusive. Todo esse papo de Hanso Foundation é bla bla bla. Eu sei.

Abulafia, como se chamava o computador, começou a imprimir diversas informações aleatórias. Horas e horas de:

“a la . . . Saint Jean 36 p charrete de fein 6 . . . entiers avec saiel p . . . les blancs mantiax r . . . s . . . chevaliers de Pruins pour la . . . j . nc. 6 foil 6 en 6 places chascune foil 20 a . . . 720 a . . . iceste est l'ordonation al donjon it premiers it li secunz joste iceus qui . . . pans it al refuge it a Nostre Dame de l'altre pan de l'iau it a l'ostel des popelicans it a la pierre 3 foiz 6 avant la feste . . . to Grant Pute”.

“5 vezes meretrizes avec le monde delta gama raio-x.”

“A (NOITE) DE SÃO JOÃO 36 (ANOS) (DE)P(OIS DA) CARRETA DE FENO 6 (MENSAGENS) INTACTAS COM SINETE P(ARA OS CAVALEIROS D)OS MANTOS BRANCOS [TEMPLÁRIOS] R(ELAPSO)S DE PROVINS PARA A (VAIN) JANCE [VINGANÇA] 6 VEZES 6 EM 6 LUGARES CADA VEZ 20 A(NOS FAZEM) 120 A(NOS) ESTA É A ORDENAÇÃO [PLANO] (VÃO AO) CASTELO OS PRIMEIROS IT(ERUM) [NOVAMENTE APÓS 120 ANOS] OS SEGUNDOS SE JUNTAM AQUELES (DO) PÃO DE NOVO AO REFÚGIO DE NOVO À NOSSA SENHORA DO OUTRO LADO DA ÁGUA [RIO] DE NOVO À ESTALAGEM DOS POPELICANT DE NOVO À PEDRA 3 VEZES 6 [666] ANTES (DA) GRANDE MERETRIZ”


E toda sorte de coisa realmente enigmática em todas as línguas conhecidas ou não.

Eles liam, liam, liam, digitavam palavras-chaves, navegavam por interligações estranhas como Messias, Sephiroth, Cagliostro, Seven Boys, Colégio Invisível e Seu Madruga, até que finalmente, com o rosto mostrando todo seu cansaço, o Aluno finalmente deu seu clássico brado de descoberta:

- Eureka!

XX-IV-XX


Após longo período de explicações, finalmente alguém perguntou ao Aluno:

- Ok, agora que sabemos que a coisa acontecerá no dia 8 de março, o que faremos?

- Eu não sei, sou um bom decodificador, não planejador. - respondeu o Aluno.

Ema falou quase que sem esperança: - Dia 8 é o dia internacional da mulher, Eles estarão muito poderosos. Não é coincidência, escolheram esse dia de propósito. É justamente nesse dia que a maioria das pessoas confunde tudo e acha que ser igual a todo mundo tem a ver com liberdade e poder, não com massificação. Os malditos escolheram um dia muito fodido pra transportar seja lá o que estão transportando. Vão usar o dia como uma egrégora, diabos!

- Vamos quebrar tudo! - Disse Steroid freak, fazendo seus músculos saltarem pra lá e pra cá.

- Impossível, seu lunático! Se Eles estarão tão poderosos assim, vão nos dar uma surra em segundos. Como faremos? Certamente estarão protegidos em todos os níveis. Não são amadores. - Foi a vez de Ana Terra.

- Podemos tentar contatar outras células de trabalho pra foder com a operação. Quem sabe se juntarmos todo mundo não conseguimos ser mais fortes? - Disse a linda e morena Alquemiss.

- É muito em cima da hora, jamais conseguiremos contato com todo mundo em tão pouco tempo. Mesmo que conseguíssemos, o pessoal das outras células jamais chegaria a tempo aqui. - O Aluno argumentou.

- E o deslocamento de tantos dos nossos chamaria uma atenção absurda, não, temos de resolver as coisas nós mesmos. - Completou Ana Terra o pensamento do Aluno.

- Se tamo fodidaços, então vamos partir pra porradaria e foda-se, morremos em combate e era isso. - Steroid Freak começava a gostar das idéias.

Enquanto a balbúrdia entre o confuso grupo seguia girando sem chegar em lugar algum, Ema olhava pela janela do 3o andar do prédio abandonado. A rua já não estava mais tão deserta, o sol começara a nascer e o centro da cidade ganhava nova vida após a longa noite. Por fim, ela disse sem olhar para eles:

- Obviamente nós não podemos entrar em conflito direto com Eles nesse dia, a não ser que queiramos morrer.

- Mas nós não podemos ficar de braços cruzados e deixar Eles vencerem a batalha. Se o que eles transportam chegar ao centro da cidade, eles conseguiram completar o ritual e aí Porto Alegre vai estar fodidinha plus - O Aluno disse.

- Aluno, não seja ingênuo. Eu disse que não podemos entrar em confronto direto com Eles, mas não disse nada de ficar de braços cruzados. - Ao dizer isso, Ema sorriu, ainda que ninguém pudesse ver seu rosto já que continuava olhando pela janela.

XX-V-XX


Ana Terra estava no interior, perto da divisa do estado. Encontrava-se num galpão abandonado, agora ocupado por membros da Via Campesina, uma espécie de sem-terra espalhados por todos os continentes. Ela pediu ao chefe do acampamento, um homem barbudo e glutão, para falar ao microfone. Não é preciso dizer que uma feiticeira capaz de manipular os poderes da Mãe Terra poderia ascender facilmente nas fileiras de qualquer entidade de sem-terra. Ana Terra ajudava todo mundo a plantar na melhor Lua, fazia rituais para que chovesse, escondia magicamente o acampamento das autoridades e mais uma série de truques úteis para ela que era filha da Terra. Obviamente isso não era público, para os simplórios campesinos, o que acontecia é que Ana Terra tinha uma sabedoria tremenda das coisas da terra e tudo ficava bem.

Ela subiu no palanque improvisado sobre um monte de feno, as foices e pedaços de mastro de bandeiras eram agitados por aqueles que estavam ouvindo os discursos inflamados dos líderes da Via Campesina. Pediu silêncio apenas com gestos e foi ouvida.

- Amigos da terra, esta noite ficamos sabendo que o terrível George Bush, demônio dos Estados Unidos, vêm ao Brasil. - ouviram-se vaias para o nome do presidente americano, ela com apenas um gesto fez com que a platéia silenciasse novamente - eu também não gosto do porco capitalista, mas temos motivos muito sérios para odiá-lo, pois ele vem ao Brasil para ROUBAR nossa terra! Ele vem pedir ao traidor Lula um pedaço da Amazônia, nossa terra, para plantar cana de açúcar, mas não para fazer açúcar. Não, nada de açúcar. Vocês sabem o que esse maldito quer? Produzir álcool, para quando estivermos produzindo álcool em todos os cantos do Brasil, nossas famílias morrendo de fome pois não haverá lugar para plantar comida, ele invadir e tomar tudo, como fez com o Iraque! Ele é contra o combustível de nosso amigo Chavez, precisamos impedi-lo! Por isso eu digo, companheiros de luta, essa noite nós marchamos para Porto Alegre para protestar contra a chegada de George Bush!

A platéia explodiu em gritos, palmas, urros e palavras de ordem.

“Nada como um pouco de glamour”, pensou Ana Terra de punho cerrado e braço levantado.

XX-VI-XX


Num beco escuro perto do Palácio da Polícia, Ema e Alquemiss conversavam com um homem de terno. Alquemiss estava mais atrás, observando, enquanto Ema did the talking:

- Então, o que me diz, Secretário?
- Não posso fazer isso, é insano. Se fosse em outro horário.. - respondeu o homem de terno e gravata.
- Como não pode?
- Vai ser o caos, muita gente indo trabalhar. Não posso botar 2 blitz na rua na hora do rush.
- Escuta aqui, seu cachorro maldito e sarnento... - Ema avançou por sobre o homem, pegando pelo canto do paletó com a mão esquerda enquanto a direita encostava na garganta dele um canivete retrátil. Ema sentiu um toque suave em seu braço e a voz de Alquemiss dizendo: - Espere aí, deixe isso comigo, Ema querida.

Ema recuou e observou o que Alquemiss fazia:

- Olhe bem para os meus olhos, Secretário, está vendo? Agora abaixe a visão, acompanhe meu dedo. O senhor vai nos ajudar a botar a polícia na rua exatamente a essa hora, exatamente nos pontos combinados, porque o senhor gosta de mim, entende?

O secretário, embasbacado, fez que sim com a cabeça.

- Então pode ir embora, Secretário, contamos com você, querido. - Finalizou Alquemiss.

Quando o secretário foi embora, assoviando uma melodia feliz, Ema perguntou:

- Você o hipnotizou bem rápido.
- Meus peitos nunca falham, queri.
- Adoro sua companhia nas missões.
- Você adora meus peitos, sua sapatona.

E as duas entraram no carro de Alquemiss rindo.

XX-VII-XX


- Odeio acordar cedo, inferno.
- Pare de reclamar, Aluno, temos diversão pela frente. - Disse Steroid Freak.
- De todo mundo, tinha que sobrar justo pra mim a missão das 7 horas da manhã?
- Chega! Veja, olha lá, aquele vai servir! - Steroid Freak apontava para um caminhão carregado de bombonas d´água que estava parado na sinaleira. Os dois saíram correndo, Steroid Freak deu a volta no caminhão enquanto o Aluno veio pela porta do caroneiro. O Aluno bateu no vidro, fazendo o motorista olhar pra ele. Rápido como um furacão, o vidro do motorista se fez em pedaços com um soco poderoso de Steroid Freak, que em instantes tirou o motorista do caminhão pela janela e abriu a porta.

- Rápido Aluno, entre no caminhão.

Os dois dirigiram rapidamente pelo viaduto acima dos trilhos do trem que ficava a menos de 600 metros de onde pegaram o caminhão. - Pronto? Pegue a direção, Aluno!

O Aluno saltou para a direção do caminhão e Steroid Freak pulou para fora do veículo em movimento, correndo a toda pelo caminho à frente em que o caminhão seguiria. Quando o caminhão se aproximou do local que o viaduto passava bem por cima dos cabos de força que alimentavam o trem, o Aluno fez um movimento brusco com a direção, jogando o caminhão por sobre a murada do viaduto, enquanto Steroid Freak veio correndo do outro lado da rua e impulsionou o caminhão para que virasse rapidamente e caísse sobre os cabos de força do trem.

O Aluno e Steroid Freak sairam de fininho do lugar, o primeiro correndo com o celular no ouvido dizendo rapidamente:

- O trem está parado, emotiva maravilha, voltaremos pra rufus park. Como foi o resto do piquenique?

- Aluno, tudo às mil maravilhas. Sem o trem, ainda mais pessoas vão usar ônibus e carro para ir até o centro de Porto Alegre, a blitz da polícia vai segurar toda essa gente e os manifestantes da Via Campesina estão bloqueando todos os acessos. Esse será o maior engarrafamento da história, Eles nunca vão conseguir transportar o equipamento que transportam a tempo de realizar o ritual.

- Caos!

- Caos, brô!

E desligaram o telefone. O Aluno ainda fez um sinal de positivo para Steroid Freak.