janeiro 24, 2006

Too young to die, too old to live

Ficar aqui o dia inteiro carimbando documentos dá bastante tempo para figuras como eu pensar nos grandes dilemas no universo. O problema é que num trabalho desses você tem certeza que o universo talvez sirva para alguma coisa, mas você sabe que não faz parte de nenhum grande plano e que carimba documentos utilizando as mesmas habilidades que uma macaca. Não, eu não penso mais sobre o universo, me deprime pensar em todo esse tamanho e eu aqui, carimbando coisas. No lugar disso eu penso nos documentos que eu carimbo, de que são, pra quem são, pra que servem, quem os redigiu, quantas árvores é preciso derrubar para fazer um memorando como este sobre desmatamento florestas, essas coisas. Você sabia que o papel couché foi inventado na Finlândia? O estranho é esse nome francês.

Mas nem sempre eu carimbei papéis, nem sempre eu tive esse estúpido trabalho repetitivo. Antes eu era piloto de avião comercial. Voava jamantas enormes pelo céu carregando nas minhas asas a vida de dezenas de pessoas. Tinha esposa, filhos, não bebia - nunca tocava em carimbos. Mas tudo isso acabou quando a empresa quebrou, graças aos vôos comerciais superbaratos, e eu tive que ser mandado embora. 24 anos de pilotagem por aquela companhia e de repente eu não era mais o comandante, era só mais um desempregado. Porém isso não me abateu não, eu era dos bons e tinha certeza que seria empregado em outra companhia, mesmo que com o salário levemente mais baixo.

Não contava com as regras do mercado.

Passei em todas as companhias de aviação e a resposta foi a mesma: não valia mais a pena me contratar, eu já estava velho e logo começaria a ter problemas de saúde e seria mais dispendioso para a companhia um velho doente do que um inexperiente piloto jovem comedor de comissárias de bordo. Comissárias, o caralho, aeromoças. Eu não preciso mais ser politicamente correto. Claro que eles me chamavam de velho usando o que há de mais sofisticado nos dicionários, mas isso não anulava o fato de que eu não conseguiria nenhum emprego por causa dos cabelos brancos que na cabeça do Antônio Fagundes até fazem sentido. Antes as pessoas viviam até os 30 ou 40 anos. Hoje em dia a medicina deu um jeito de fazer com que as pessoas vivam bem até depois dos 70. E nos achamos muito avançados por isso. Lotamos o mundo de pessoas com pontes de safena, dizendo que é ótimo viver do lado delas, mas no fundo nós tampamos o nariz quando eles passam com seu cheiro de morte, os trancamos em asilos para que não atrapalhem nossa foda de sexta à noite e não oferecemos empregos para que eles não possam comprar nada e se sintam obrigados a implorar para nós uma migalha de pão, assim ficamos com a consciência tranqüila ao tapar o nariz e a trancafiá-los à espera da morte, afinal, nós os sustentamos, não?