janeiro 20, 2006

Histórias de mentira de pessoas de verdade

Numas dessas noites frias de inverno molhado saí bem agasalhado e mal intencionado: beber uma ceva e achar um par de pernas que sem agasalho me aquecessem por uma boa meia-hora. Fui no bar mais badalado da cidade para tipos como o meu, não por coincidência também era o mais fedorento das redondezas. Estacionei o carro longe, o maldito bar era realmente cheio de tipinhos esquisitos como o meu. Metade das mulheres pareciam uma louca variação da Velma do Scooby Doo, a outra metade variava dos anos 70 a 90, nada mais, nada menos.

- Todas iguais - pensei - por isso que são fáceis. Uma das principais leis do marketing é que diferenciação é a chave para o sucesso.

E eu não falava apenas das roupas retrô, dos cabelos curtos em cores estranhas ou dos óculos grossos, era todo o conjunto, elas pensavam igual, agiam igual, tinham conversas iguais e, pra minha sorte, eram fáceis iguais. Seria mais uma noite daquelas, eu tinha certeza.

Até que eu vi uma coisa que abalou todas as certezas de todos os mundos e dimensões que eu conhecia, conheci e ei de conhecer. De repente, apenas de repente, aquele triste lugar onde as pessoas falavam de campanhas premiadas e fees milionários se tornou um aprazível jardim de inverno, cheio de pequenas arvorezinhas bonsai que rodeavam um laguinho minúsculo onde ali jaziam carpas douradas e, sobre este laguinho, uma pequena ponte conduzia meus passos diretamente a ela.

Ela era sem dúvida diferente de toda aquela gente diferente-igual que estava plantada, noite após noite, naquele lugar que freqüentava com revolta no estômago. Ela era morena, tinha uma pequena franjinha torta, a pele morena como a minha e uns olhos verdes em formato de amêndoa. Ela vestia roupas simples, um all star, jeans e uma blusinha, era magra, mas dava pra ver que tinha curvas onde eu poderia me perder por anos até finalmente chegar onde todo homem quer chegar.

Então eu atravessei a pequena ponte sobre o lago de carpas e fui falar com ela. Ela estava conversando com outras duas gurias meio parecidas com ela. Lembro que disse qualquer coisa estúpida e ela sequer olhou pra mim, então repeti um pouco mais baixo e ela olhou. Ela olhou de uma forma que eu nunca tinha percebido. Nós dois já sabíamos. Nós nos conhecíamos ou algo assim. Ela olhou pra mim e eu vi a alma dela. Foram eternos segundos de um olho-no-olho. Nós já tínhamos chegado a um acordo ali, um acordo silencioso.

Oh, meu Deus - eu disse, sei lá por quê.

Então ela disse:

- Sorry?

Oh, sotaque britânico. Ela tinha sotaque britânico.

- Honey I love you, like the summer falls and the winter crawls, you are above and beyond me.

Conversamos sobre todos os assuntos do mundo durante horas e horas, as pessoas chegavam, ficavam bêbadas, iam embora e nós estávamos grudados olho-no-olho em uma conversação sem fim sobre tudo o que sabíamos que estava errado e porque as almas nunca se encontravam e como nós éramos sortudos e todo o resto de coisa que faz tu pensar que está falando com um outro eu.

Até que o dia começou a clarear.

Ela me deu a mão e perguntou: - let´s go?

E então fomos. E até hoje vivemos felizes para sempre no meu pequeno apartamento. Planejamos dar a volta ao mundo em 160 dias. Talvez mais (somos meio lentos). Eu a chama de “minha princesa” e ela decidiu que é bonitinho me chamar de “marzipã” (ela sente muita falta do marzipã feito no país de onde ela veio).

Estamos pensando em ter filhos em 2008, quando estaremos ricos com um golpe bilionário que envolve velhinhas cegas do Vietnã e contas bancárias polpudas da máfia italiana.

Nós somos loucos ou we are crazy ou vi är galna!