Neil Gaiman é um mago. Não no sentido de fazer coisas voarem, de tirar coelhos da cartola ou de atirar relâmpagos num estalar de dedos - ainda que ele possa fazer você acreditar que ele conseguiria tudo isso. Não, Neil Gaiman é um mago das palavras. Ele dá vida a simples letrinhas, de modo que cidades saem do papel e começam a andar, deuses entram no seu quarto e magia é uma coisa tão normal (e assustadora) quanto um assalto à mão armada. Ele cria mundos fantásticos, e críveis, com simples palavras - em uma página você está ali no parque, em outra você descobriu um portal para o mundo das fadas. Simples palavras? Nem tanto, afinal, você não sabe que o mundo foi criado pela Palavra?
Neil Gaiman sabe e nos contou.
Eu gostaria de usar apenas palavras para moldar a realidade igualzinho a Neil Gaiman, mas, serei sincero, nunca cheguei nem perto. O máximo que consegui foi imitá-lo um pouco, de maneira tosca. Comparar a minha criação e a de Neil Gaiman, é mais ou menos como comparar a criação do universo com a criação do Dr. Frankenstein - não tem nem graça. Na busca de me igualar ao mestre, fiz de tudo: li os livros dele, das pessoas que o influenciaram, escrevi sobre o que ele escrevia e até me vesti do mesmo modo, não importando o quão quente jaquetas de couro são no verão do Brasil.
Nada adiantou.
Desconsolado pelo meu fracasso retumbante, dei-me conta de que não tinha a criatividade dele, nem o talento com as palavras, nem sequer um mero sotaque inglês. Mas isso não significa que eu seja desprovido de criatividade. Em última desesperada tentativa de tornar-me Neil Gaiman, criei um plano - ou melhor, vários. Para executar algum deles, eu precisava de uma arma, o e-mail de Deus ou o chirrin-chirrion do diabo. Como não consegui nenhum deles, nem mesmo a arma, me contentei em seguir outra linha de raciocínio: ter acesso ao caderno de Gaiman com seus escritos inéditos. A idéia era bem simples: roubar o caderno dele, colocar meu nome embaixo e fazer fama com o nome de New Gaymann.
Apesar de simples, não era tão fácil chegar perto do caderno de Neil Gaiman. Sabe como é, qualquer pessoa que guarde os segredos da sua profissão em um caderno, não deve ser tão descuidada com ele, principalmente se você estiver no fim da primeira vez do seu mais novo livro. Até tentei que ele me entregasse na boa, depois de uma carta emocionada. Mas nunca recebi uma resposta. Eu teria de tirar o maldito caderno a força - e não tendo arma, nem tampouco sendo fluente na linguagem corporal dos caratecas, só me restava a matreirice.
Consegui o cargo de carregador do hotel onde ele ficaria e onde ocorreria uma conferência em que Gaiman era o palestrante principal. “Moleza”, pensei. Ele sai do quarto pra palestra, eu entro, localizo o caderno, o pego e vou em direção à fama. Fácil.
Chegado o dia, ele já estava no quarto, estava tudo certo. Quando ele saiu do quarto, coisa que vi porque estava de tocaia por ali, decepção total. Ele estava levando o caderno. Bastante sorridente o rapaz, mas concentrado. Ele foi para o pátio, fechado só pra ele, onde sentou-se em um banco perto da fonte, abriu o caderno, pegou uma caneta e começou a escrever algo.
- Isso mesmo, quanto mais você der pra mim, melhor. - eu sorri.
Depois de umas 2 horas, ele voltou pro quarto. Mais um tempo depois, saiu. Outras roupas, cabelo molhado. Desta vez estava sem o caderno. Acho que ele foi jantar, aproveitando o restaurante antes que a muvuca se instalasse durante a conferência. Imediatamente peguei a chave-mestra - que havia conseguido graças a um pequeno agrado sexual com uma curvilínea latina que era camareira no hotel - e entrei no quarto, rapidamente, sempre cuidando pra ver se não estava sendo observado. O caderno estava do lado da cama. Aquilo seria como tirar doce de criança.
Me aproximei da cama, peguei o caderno na mão, o abri e comecei a ler o que estava ali com lágrimas nos olhos. Eu havia conseguido!
- Eu não faria isso se fosse você.
Virei-me rápido, assustado, em direção a voz quase sintética, que veio de trás de mim. Era um sujeito alto, magro e branco (era mais que pálido, era branco papel). Seu cabelo era preto e desgrenhado, lembrando um pouco o cara do The Cure.
- L-L-Lorde Morfeus? - eu perguntei.
- Em pessoa. Ou o mais próximo disse que eu posso ser no mundo acordado.
- Você vai me matar?
- Minha irmã não está aqui. - Ele não parecia ter emoção alguma.
- É, mas se você não se mandar, talvez ela seja convocada. E, acredite, não será pra mim, muito menos pelo Sonho. - disse uma outra voz, vinda de dentro do banheiro. Quando o dono da voz saiu, eu o reconheci de imediato com seus óculos redondos e a curuja sobre o ombro. Atrás dele, outra figura, um homem de capote amarelo. “Ih, me fodi”, pensei. E dei o fora dali.
Mas não sem antes pegar o autógrafo de cada um.