abril 12, 2007

Bíblia anos 2000: A Saga de Genésio - Ato I - Deus é Pai, Não é Padrasto

Art Spiegelman 0:6 - “‘Artie! Segura isto uma minuto enquanto eu serra. Por que choro, artie? Segura melhor o madeira.’ Artie disse: ‘Eu caí, e meus amigos foram embora s-sem mim.’ Ele parou de serrar. ‘Amigos? Seus amigos? Se trancar elas em quarto sem comida por uma semana, aí ia ver o que é amigo!’”

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No Morro do Cristo, lá onde Judas um dia perderia as botas, tudo era paz e tranqüilidade na medida do possível do contexto local. Tiroteio aqui e ali, vá lá, era aceitável. E, verdade seja dita, o patrão máster do morro, um negrão traficante de dois metros de altura cujo apelido era Deus, odiava chinelagem no seu morro e fazia cumprir a lei. E a lei era simples: olho por olho, bala por bala. (Há relatos de que a lei era “violou enfrenta a roda” e “dois homens entram, um homem sai”, mas era complicado demais e sempre tinha uma mina metida a Tina Tunner pra encher o saco da rapaziada com essas bobagens).

Deus era não só o patrão incontestável do morro, era também uma espécie de prefeito, deputado e juiz, papeis que exercia com prazer. No fundo no fundo, ainda que todo mundo tivesse medo dele, sentiam-se bem com seu reinado a punho de aço e tiro de doze ali no Morro do Cristo. Por gozar de status diferenciado, além de dois metros de músculos, Deus tinha sempre as tchutchucas mais quentes ao seu lado - bem, pra falar bem a verdade, não era bem ao lado dele, já que ele preferia mesmo era que elas ficassem embaixo, JAMAIS em cima.

A tchutchuca da vez era Maria-quase-virgem, uma funkeira dos infernos com o rabo do tamanho de um caminhão gabine dupla. Vestia-se sempre com shortinhos muito curtos e blusinhas que sempre deixavam aparecendo o sutiã. O cabelo, sempre lotado do mais puro alisabel, tinha alguns tererês-rastafire-raggae-ie-ie-oio-oio que, se não ficavam 100% style, pelo menos lhe denunciavam a malandragem. Verdade seja dita de Maria-quase-virgem, ela gostava de dar. E dava muito. A toda hora. Porém seu único homem tinha sido Deus (porque o Sidiney Motoboy não contava), de modo que ele vivia dizendo que jamais tinha encostado um dedo na moça e que iria casar virgem com ela - o que todos sabiam era mentira das mais brabas, mas ninguém ousava contrariar o todo poderoso traficante.

Deus estava sentado na sua poltrona no seu “quartel general”, como gostava de referir-se à casa mais alta do morro onde guardava seu estoque e só os mais chegados podiam entrar, sendo poucos aqueles que se arriscavam impunemente a bisbilhotar o lugar. Usava uma calça jeans transformada em bermudão, tênis de jogar basquete novinho em folha, um colete esquisitíssimo que usava sem nada por baixo ou por cima e uma cartola preta que ninguém sabia ao certo de onde Deus tirara, mas tinha um buraco de bala bem no topo. Completava sua aparência uma série de tatuagens, já meio desbotadas, com letras de pichador que poucos conseguiam decifrar - em parte pela caligrafia medonha, em parte porque algumas eram mal feitas. Estava muito pensativo, coçava o queixo mal barbeado com o cano de uma pistola automática cromada. Olhando pela janela estava Gabriel, um de seus fiéis capangas disse meio distraidamente:

- Ei, Gabriel, quero rolar um lero contigo.
- Fala mestre. - virou-se ele, abandonando a visão que tinha da janela e chegando-se mais próximo de Deus.
- Seguinte, cara, tô com um probleminha com a Maria.
- Sífilis?
- Não, não, pior, ela tá grávida. Vai ter que resolver essa pra mim.
- Quer que eu passe ela?
- Tá louco, rapá? A mina é responsa, tá esperando filho meu.
- Então, que é?
- Não posso ter filho agora, tenho que tocar os negócios. Além disso criança nenhuma merece crescer nessa merda. Arranja um pai aí pra ela.
- Quê? Como assim? - Disse Gabriel, com as mãos abertas.
- Sei lá, arranja um mané qualquer aí pra ser o pai do filho. Quero que o guri seja responsa, não fique nessas de tráfico, não pode ser criado comigo.
- Mas é impossível achar um mané que assuma essa, Deus.
Deus apontou a arma para Gabriel e disse: - escuta aqui, com uma arma na mão um homem faz coisas impossíveis. Nem que tu precise obrigar alguém a casar com ela. Além disso, diz que eu vou dar uma mesada gorda pra botar o guri nos trilhos. Mas eu quero um cara responsa. Mané, mas responsa. Por que não fala com o José?
- O carpinteiro? Mas ele tem uma noiva.
- Diz pra ele que se ele não casar com a Maria ele e a noiva dele vão se casar no inferno, porra.

E os dois riram do seu poder supremo.

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Gabriel entrou correndo no quartel general, Deus, pego de surpresa, estava com a arma apontada pra ele, baixando logo depois que percebeu que era Gabriel. Este último disse esbaforido:

- Deus, Deus, nasceu o Genésio Christian.
- Quem nasceu?
- Teu filho, rapa! - Aí Gabriel pareceu um pouco confuso, continuando com menos ênfase: - quer dizer, o filho do José e, sei lá, da Maria.
Deus levantou-se de dois saltos (desequilibrara-se no primeiro e precisou de um segundo impulso): - Porra, e como tá o guri? - disse.
- Tudo na paz, tudo nos conformes.
- É pissudo?
- Ô. - confirmou.
- Seguinte, manda a mulecada ir pra frente da casa da Maria pra atirar foguete, vou mandar uns presentes aí.

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Maria, levemente incomodada com a barulhera que faziam os fogos fora da sua casa, não ousava dizer nada aos moleques que estavam causando o tumulto. Sabia que eram ordens de Deus, devia estar chegando droga no morro, mas nem ela mesma tinha coragem de desafiar as ordens dele. Em outros tempos, quando ainda estavam juntos, talvez pensasse no assunto, mas hoje nem a pau. Obedecera totalmente sua ordem, casara com José, um carpinteiro jeitosinho que tinha a manha de mexer no pau, levando-a a loucura, pelo menos até a barriga começar a incomodar. O que ela gostava em José era sua simplicidade de rapaz branco no morro, suas mãos fortes e como gostava de que ela ficasse em cima quando trepavam. De repente Maria ouviu alguém batendo-lhe a porta do barraco.

- Quem será essa hora? - Disse para seu marido.
- Deve ser alguém querendo visitar nosso Genésio Christian. - e sorriu para ela, achando esquisito como o guri era negrinho, mas, afinal, certamente tinha puxado a mãe.

Ao abrir a porta, José notou que havia três homens parados na sua porta. Eles não falaram nada, apenas entraram. Os 3 homens eram um traficante, um líder comunitário e um policial. O líder comunitário foi quem primeiro disse: - viemos trazer presentes para o filho de Maria.
- Ah, que maravilha! - Alegrou-se José - é muita simpatia trazer presentes pro nosso filho.

Ao ouvir a palavra “nosso” os 3 homens se entreolharam furtivamente, desviando rapidamente com um “claro, claro, onde está o guri mesmo?”

O primeiro homem, o traficante, ajoelhou-se perto de Maria, que segurava a criança, e disse: - Trago um quilo de cocaína da pura, é pra que vocês possam vender e tirar uma boa grana.

Quando levantou-se o traficante, logo o segundo deles, o policial, ajoelhou-se e disse: - trago essa AR-15 para defender vocês de qualquer malfeitor das redondezas.

Na vez do terceiro, o líder comunitário, entregou um livro do Karl Marx: - trago este livro para ajudar na iluminação do pequeno Genésio.

E os três saíram, deixando Maria e José com seu mais novo, primeiro e único pimpolho, Genésio Christian.

- Ô, Maria, esse guri não é preto demais, heim?