fevereiro 15, 2006

Mr. Vinter

Já faz um ano que está assim. Nunca mais ele foi o mesmo. Ele ficou amargo, nada lhe agradava, nenhum doce o satisfazia. Só pensava nela, só pensava na grande chance que deixara escapar por entre os dedos, como que tentar reter açúcar na palma da mão com ela mergulhada na água. Ele sonhava dia e noite que a reencontraria assim que tivesse dinheiro, o caso é que ele não trabalhava porque estava sempre deprimido pela falta dela, completando um círculo vicioso de falta de dinheiro, falta de amor, falta de amor próprio e falta de noção.

Definhava, dia após dia. Inicialmente tinha engordado porque comia por ansiedade, ansiando pela volta dela, depois emagrecido cadavericamente porque nenhuma comida lhe dava mais prazer, tinha ganhado de brinde olheiras profundas que o acompanhavam e faziam coro junto com as lágrimas diárias, sua pele estava amarelada, tinha jogado fora as lentes de contato, não queria mais enxergar nada, já que a única coisa que via na sua frente era o rosto dela, seu cabelo e barbas desgrenhados e sujos, não se importava mais, não ligava mais, vivia como ermitão, esperando o tempo passar, alimentando uma saudade que se transformara num monstro que o consumia dia a dia a ponto de se tornar uma dor física toda vez que apagava a luz e sentia o frio lençol vazio mesmo nas tórridas noites de verão.

Sabia que se desejasse a morte e a provocasse, acabaria recebendo reprovações divinas, por isso pensava que seria bastante proveitoso se algum acidente bizarríssimo ocorresse com ele, algo do tipo como cruzar com um bêbado lidando com uma moto-serra enquanto há um vazamento de gás no apartamento ao lado. Mas nada disso acontecia e ele seguia sobrevivendo, com uma vida melhor do que 80% da população do seu país, mas que ele absolutamente não conseguia desfrutar.