dezembro 08, 2005

ODEQUEACACAPROTELA (O Dia Em Que A Casa Caiu Pro Teu Lado)

*
2045, um dos piores momentos da humanidade. Água, alimento, espaço físico e clipes de papel (todos essenciais a sobrevivência humana e da sociedade capitalista) são materiais escassos e vendidos a peso de ouro pelos grandes conglomerados de multinacionais que substituem a antiga organização mundial por Estados. O primeiro a sucumbir foi os Estados Unidos, em 2036, vendido inteiramente para a Guiness International, responsável pelo abastecimento mundial de cerveja no mundo inteiro, portanto, maior responsável pelo combustível da humanidade. Todo cidadão do finado Estados Unidos da América, hoje Guiness North America Inc., foi contratado pela multinacional - para alegria dos chicanos que lá residiam - e trabalham nos mais variados departamentos da produção mundial da cerveja Guiness. Ainda que haja algumas iniciativas isoladas, como a do Chope Barley, que domina uma pequena cidade chamada Montenegro, todos os antigos Estados nacionais agora pertencem a alguma grande empresa - a exceção do excessivo Brasil, um Estado tido pelos outros como retrógrado e não preparado para a Ultraglobalização, um dos fenômenos mais marcantes deste século, que tomou força mesmo só a partir da metade dos anos 30, com a supracitada aquisição dos Estados Unidos pela Guiness, desencadeando um verdadeiro efeito dominó de compra de países por grandes empresas.

Países pequenos desapareceram quase que por completo, já que estes eram os mais fáceis de serem comprados. Os pequenos Lituânia, Letônia e Estônia juntaram-se sobre a mesma bandeira, a Adomaityte Potato Corporation (APC), e hoje exportam o principal alimento consumido na Europa: a batata (ainda que comercializada pela APC, a produção vem quase toda da Growth Potato S/A, um braço da APC no antigo Cazaquistão).

Mas, como dito anteriormente, o único país a não se render e não ser comprado por uma multinacional é o Brasil. Este continua com um sistema misto entre parlamentarismo, presidencialismo, monarquia, figueirismo e bizarrismo utópico, mas na real mesmo todo mundo sabe que o troço é na verdade uma puta duma anarquia sintética. O Brasil conseguiu manter sua soberania (?) através de uma série de mecanismos e golpes de sorte sem precedentes, não cabe aqui mencionar todos eles, mas o mais marcante destes foi, em um arrombo de visão sistêmica, o Presidente Macunaíma Pirassununga previu a grande crise no setor de clipes de papel (precedida pela crise no grande mercado de pára-raios) e importou quantidade rocombolesca de clipes de papel e investiu pesadamente na infraestrutura destas fábricas no Brasil - esta atitude gerou comoção internacional e o Presidente MP foi ridicularizado nos círculos mais redondos do Grande Conselho Unificado (G-CU, antiga ONU), mas logo que estourou a crise de clipes de papel, desencadeando o processo de compra de países por grandes corporações (detentoras de grande quantidade do PIC - Produto Interno Clipático), ninguém mais riu do grande Presidente Macunaíma Pirassununga.

Hoje o grandessíssimo Presidente Macunaíma Pirassununga foi reeleito por consenso para seu 5o mandato consecutivo, graças ao bizarro processo de eleição aprovado pelo Congresso um dia desses. O processo consiste em todas os brasileiros NO MUNDO devem, às 5h60 do solstício de verão de anos bissextos, bater bem forte nas pernas em aclamação ao único candidato (o próprio Presidente MP). Quem não bater nas pernas estará votando contra, mas nunca ninguém conseguiu provar que existiam menos pessoas batendo nas pernas do que as que não batiam, então ele sempre é reeleito - e ninguém reclama muito disso, já que ele é o grande herói da independência (ou ao menos da não resignação).

Porém, como disse lá no início, 2045 é um dos piores momentos da humanidade. As grandes multinacionais começaram a se estressar umas com as outras por fatias de mercado absolutamente diversas (por exemplo, a Guiness North América Inc. acusava a APC de embatatar seus clientes, fazendo com que consumissem menos cerveja), o povo estava descontente pois faltava água, comida, espaço e clipes de papel, todo mundo estava descontente com o Brasil que resistia ao “avanço” social promovida pelas companhias e a maioria estava bastante descontente com o nível de salinização do mar vermelho, que já estava preto há pelo menos uma década.

Foi por causa disso que começaram as escaramuças nas fronteiras.

Primeiro era só de galinhagem, por exemplo: o pessoal da Guiness fazia passeatas nos eventos de batata (especialmente aquelas deliciosas panquecas, tradicionais da Adomaityte) chacoalhando suas latas de cerveja com aquela bolinha engraçada dentro e fazendo um barulho muito chato demais pra caralho, já o pessoal da APC fazia umas receitas deliciosas e não servia pra quem tomava Guiness, essas pequenas coisas. Até que a coisa começou a ficar mais séria, no lugar de chacoalhar latas, logo os Guiness estavam arremessando suas latas contra os batateiros, enquanto os batateiros arremessavam suas batatas (não cozidas) contra o pessoal da Guiness. Aí começaram os quebra quebra, era batata e cerveja voando pra todo lugar. Logo começaram as mortes. Então surgiu o Messias que, dentre outras coisas, pregou a união das multinacionais e sugeriu inclusive que o pessoal da APC fornecesse receitas que levavam como tempero Guiness.

Mas essa não é a história deste Messias, porque, de tanto pregar essas coisas, logo ele acabou sendo pregado numa cruz. Ninguém quer ser legal com ninguém. Principalmente não as multinacionais. Principalmente em benefício do concorrente. Principalmente porque não.

E, de todas as brigas intermináveis entre as diversas multinacionais, começou a ameaça nuclear. Uma multinacionais ameaçava aniquilar a outra, ainda que faziam isso com muita reserva para não afugentar seus consumidores. E, o pior de tudo é que elas não apenas ameaçavam aniquilar o mercado da concorrência, mas também o mercado potencial - que no caso o único não explorado que faltava era o Brasil e sua teimosa resistência ao modernismo ultraglobal. Foi então que o presidente da Guiness North América Inc., um sujeito magro e com os cabelos grisalhos, disse em cadeia mundial de TV digital:

- Brasileiros do Brasil, não pensem que seus esforços em desestabilizar a nova ordem mundial passam incólumes pelo G-CU, o Grande Conselho Unido. Muito pelo contrário, se não pararem agora mesmo de consumir chope produzido pela odiosa Barley Small Enterprises, vocês estarão sentenciando todos os bons colaboradores da Guiness North América Inc. a miséria e, portanto, devem sofrer as terríveis conseqüências desse ato vil e ignóbil. Seu presidente tem 48 horas para se pronunciar a respeito do contrato enviado ao gabinete de Sua Excelência, que assegura que a Guiness North América Inc. será o único e exclusivo fornecedor de cerveja dos brasileiros, mantendo o padrão etílico de qualidade de sua população para o bem estar desta país e de todo o mundo civilizado. Em caso contrário, seu conhecido verão tornar-se-á inverno atômico.

Menos de 10 minutos depois, a presidente da Adomaityte Potato Company também se pronunciou em cadeia mundial:

- Brasileiros do Brasil, não é de estranhar que vosso país seja inundado pelo bom Chope Barley, já que a Guiness é um lixo rançoso mesmo. Apoiamos sua decisão de não comprar cerveja destes cães da Guiness North América Inc e, ainda, alertamos que caso cedam as pressões desses vermes do inferno, obviamente teremos de sancionar a ação prevista de enviar uma bomba de uma tonelada de batatas radioativas diretamente ao seu país.

O Brasil, e principalmente Macunaíma Pirassununga, estava em maus lençóis - se é que havia algum lençol. Poderia ser um golpe das duas empresas para bombardear o Brasil de qualquer forma, poderia ser realmente uma ação de represália da APC contra a Guiness (deixando o do Brasil na reta) ou poderia ser uma dessas incríveis coincidências que acontecem por aí. Mas, de toda forma, o Brasil estava ameaçado.

Foi aí que o Presidente do Brasil, o grande Macunaíma Pirassununga, decidiu agir - ainda que em segredo.

E a ação foi tão secreta que nem eu fiquei sabendo o que era.

Então Macunaíma Pirassununga, exatamente 13 horas depois do pronunciamento da presidente da APC, apareceu na TV e disparou sem verso ou rima:

- Queridos amiguinhos da Adomaityte Potato Company e da Guinness North América, vamos todos dar as mãos e cantar a cantiga do sapo cururu, porque pupuçú não come goiaba, come é rabanada.

E ficou mais 46 minutos olhando fixamente pra câmera, sem dizer nada.

Nem mais, nem menos, foi isso que o grande Presidente brasileiro falou em cadeia mundial. O povo brasileiro ficou desesperado, as empresas exasperadas e o mundo exaltado, como diabos o Grande Macunaíma Pirassununga agira de modo tão infantil? Este pronunciamento selaria não só um bombardeio atômico sobre o Brasil, mas dois, pois irritara duas grandes corporações - mesmo que antagônicas.

E todo mundo sabe que a coisa que mais une duas partes é o ódio por um terceiro.

Não demorou nem três dia para os aviões de both companhias sobrevoarem peligrosamente o varonil sky do Brazil. Primeiro em reconhecimento e depois com uns mísseis espertos em alvos estratégicos, como o POCLIBRAS (Pólo de Clipes Brasileiros).

Foi então que os B-52 (as aeronaves, não a banda dos anos 90) começaram a sobrevoar a capital brasileira, Pirassununga (antigamente conhecida como São Paulo), que tornou-se um centro militar totalmente fora de alcance dos civis (fora o próprio presidente e os outros políticos da base aliada - a única base existente, graças ao super carisma de Macunaíma). Cheios de más intenções, os aviões não foram barradas, muito pelo contrário, alguns malucos do exército hasteavam bandeiras com dizeres como “bem-vindos, APC” ou “Vai uma Guiness aí, parceiro?”

Ninguém entendia nada, mas ordens são ordens. E ordens de Macunaíma Pirassununga são mais do que isso, são decretos.

Claro que apenas o exército estava nas ruas, o presidente himself estava em um abrigo tão subterrâneo que era mais próximo da China que do Brasil, mas dizem seus mais chegados assessores que ele não fazia outra coisa a não ser sorrir e esfregar compulsivamente uma mão sobre a outra, até quando se deu o impacto das bombas atômicas lançadas em manobra coordenada por 52 B-52 (os aviões não a banda).

Depois dos diversos minutos de tremores de terra, Macunaíma ligou a TV no noticiário chinês mais quente do momento, o Kahiro Nifogu, que já apresentava a destruição completa e derrota brasileira perante a APC e a Guinesss North América Inc.

Um repórter com sotaque da Xerox Dutch Enterprises, envolvido por uma dessas estranhas roupas anti-radiação, falava ao microfone:

-... com a derrota definitiva do Presidente Macunaíma Piraçununga, é iminente a conquista do novo mercado pela Guiness North América Inc. e a Adomaityte Potato Company, além de terem o mérito da derrubada do último retrógrada Estado Nacional. Ficamos com o próximo bombardeio e fique ligado... - então o repórter arregalou os olhos e começou a gritar - Ó, MEU DEUS, Ó MEU DEUS, o que é aquilo? 40 dos mais de 50 B-52 acabam de ser derrubados por uma aparente resistência brasileira, não consigo ver o que é! Jack, aponte a câmera pra lá - e ergueu seu indicador para o horizonte.

O câmera virou e tudo que se via era uma fumaceira do caralho e meia dúzia de B-52 voando como abelhas enfurecidas desviando de mísseis que vinham do solo.

O repórter coloca sua mão no ponto eletrônico que jaz na sua orelha, assente com a cabeça e começa a falar no microfone:

- Incrível, o Presidente Macunaíma Pirassununga surpreende mais uma vez e acaba de enviar um vídeo contendo um discurso dele para ser transmitido em cadeia mundial. Assistam com atenção.

Corta para o vídeo.

Macunaíma Pirassununga, ao lado da bandeira brasileira como de costume, sorridente e fumando um cachimbo começa a falar:

- Amigos do Brasil, a torpe investida dos usurpadores da APC e da Guiness obviamente não poderia ser mais frustrada. Pensaram que lidariam com um de seus CEOs estúpidos e seguidores da religião dos administradores e seus 989287 livros sagrados com métodos de marketing infalíveis. Pois bem, agora sabem que não estão lidando com um CEO, mas sim com um Presidente do Único Estado Nacional Soberano, o Brasil, o único eleito baseado nos preceitos do povo e não dos acionistas.

Pigarreou, bebeu um copo d´água e continuou a falar:

- Todos devem estar estourando - o Presidente piscou um olho ao dizer isso - para saber o que aconteceu em Pirassununga. Pois bem, o fato é que o Brasil é um país muito preparado e há muito tempo eu já havia me preparado para este tardio e estúpido ataque nuclear contra nossa querida nação. Nas fileiras do meu exército tenho nada mais nada menos do que eles, que dispensam apresentações....

Cortou para imagens externas (ao mesmo tempo em que começou a tocar o tema de “Esquadrão Classe A”) e apareceram no vídeo 4 figuras: Rambo (sem camisa e segurando uma faca), McGyver (que tinha dois fios desencapadas em uma das mãos e uma webcam na outra), Jaison (com sua tradicional serra-elétrica) e Freddy Kruege (apenas com suas garras). Todos eles mostraram seus músculos e logo depois a música foi fading out e cortou novamente para o Presidente, que sorria, e logo recomeçou seu discurso:

- “Mas como?” Vocês devem se perguntar - soltou uma gargalhada amistosa - ora, Hollywood faliu há tempos, eu comprei todos os personagens invencíveis do passado e os reconstruí através da técnica clonática brasileira. Agora eu tenho o exército invencível e vocês, empresas idiotas, se curvaram ao Brasil irreversivelmente.

Então ouviu-se a voz de um de seus assessores, que perguntou:

- Mas grandioso Presidente, porque não fez isso antes de permitir que arrasassem como todo seu exército?

O presidente olhou para o lado, sorriu, olhou para a câmera disparou:

- Bem se vê porque você não é o presidente, Homem-Sabiá, bem se vê. Porque diabos eu gastaria gigalhões de Brasilis (NOTA: moeda local do Brasil) com um exército gigantesco se apenas 4 homens podem derrotar o mundo inteiro? Além disso me poupou exatamente 903.6 gigalhões em encargos necessários na demissão de toda essa gente. Agora o Brasil entra em uma nova época, cheia de desenvolvimento e com muito menos dívidas.

E foi assim que Macunaíma Pirassununga, mais uma vez, com sua argúcia, ficou no trono do Brasil, fazendo todo o povo feliz e o país muito próspero.


* imagem gentilmente roubada da TV Cultura.