fevereiro 18, 2007

Os Filhos de Anansi

“Esta história começa, assim como a maioria das coisas, com uma música.

Afinal de contas, no começo havia as palavras, e elas vinham acompanhadas de uma melodia. Foi assim que o mundo foi feito, que o vazio foi dividido e que a aterra, as estrelas, os sonhos, os pequenos deuses e os animais vieram ao mundo.

Eles foram cantados.

Os grandes animais foram cantados para a existência depois que o Cantor já havia criado os planetas, as colinas, as árvores, os oceanos e os pequenos animais. Os penhascos que cercam a existência foram cantados, assim como o campo de caça e a escuridão.

As canções permanecem. Elas perduram. A canção certa pode fazer um imperador tornar-se motivo de chacota, pode arruinar toda uma dinastia. Uma canção pode permanecer depois de os acontecimentos e pessoas nela descritos terem se transformado em pó, em sonhos e morrido. Esse é o seu poder.

Há outras coisas que podemos fazer com as músicas. Elas não apenas criam mundos ou recriam a existência. O pai de Fat Charlie Nancy, por exemplo, utilizou-as apenas para ter aquilo que esperava ser uma noitada maravilhosa”.


Assim começa a história de “Os Filhos de Anansi”, escrito por Neil Gaiman. O livro conta a história de Charles Nancy, conhecido por todo mundo como Fat Charlie (ainda que nem fosse gordo), um contador que leva uma vida monótona em Londres com sua noiva que deseja casar virgem. Fat Charlie, como todo mundo, não se dava lá muito bem com seu pai, quer dizer, o velho vivia pregando peças e o fazendo ficar embaraçado sempre que podia. Pra começo de conversa, ele é que havia apelidado Charles de “Fat Charlie”.

E como todos os nomes que seu pai dava, ele pegava profundamente. Por mais que tentasse se livrar daquilo, “Fat Charlie” de uma forma ou de outra se infiltrava no seu círculo de amizades e grudava nele. Acontece que isso acontecia porque o pai de Fat Charlie era o sr. Nancy - ou o deus africano da trapaça, Anansi, a aranha.

Mas Fat Charlie não sabia disso, ele descobre - ou melhor, começa a descobrir, já que no início como qualquer pessoa sensata não levou aquilo a sério - no funeral de seu pai. E esta não é a única informação nova que tem sobre a família, Fat Charlie também descobre que tem um irmão chamado Spider, que pra piorar o assunto foi quem herdou os poderes de deus do pai. Não demora muito pra Spider se infiltrar na vida de Charles, roubar a noiva, metê-lo em problemas com a polícia e acabar desencadeando uma série de eventos e interações perigosas com outros deuses.

Os Filhos de Anansi é uma história fantástica como muitas que estamos acostumados a esperar de Neil Gaiman, que é disparado o sujeito que mais invejo e que desejaria muito ter sua imaginação e poder de escrita. Os Filhos de Anansi é uma leitura leve, série e, sem querer parecer contraditório, muito engraçada - britanicamente engraçada, diga-se de passagem. Não li o livro que precede esse, Deuses Americanos, onde Anansi tem uma pequena participação, mas desde já é um must read pra mim.

Quando terminei de ler o livro, um sentimento de otimismo me inundou. Quer dizer, tudo está contido na atitude que temos perante a vida. Você pode ser um deus ou um fracassado, pode ser um ganhador ou perdedor, pode ser um mago ou um idiota, apenas mudando sua atitude. De certa forma isso é um pouco do princípio de magia do caos - se você realmente acredita que fazendo determinada coisa conseguirá determinado efeito, você consegue de fato. Isso é quebrar paradigma. Alguns paradigmas são mais fáceis de quebrar que outros, mas todos podem ser subvertidos. Se todos acreditassem piamente que as coisas caíssem para cima, acredite, elas cairiam. Você acredita que cientistas podem descobrir a cura da AIDS, então eles podem. Mas garanto que tu nunca pensou o quão MÁGICO podem ser sujeitos cheio de cálculos malucos, substâncias improváveis e equipamentos extravagantes tentando descobrir “cientificamente” a cura da AIDS. Ciência é um tipo de magia muito estruturada e cheia de regras - é apenas um paradigma - não que esse paradigma seja verdadeiro no meio da Amazônia onde um pajé malucão te fura a pele para passar baba de sapo para curar igualmente.

Marketing também é magia. O que é um tênis Nike ou uma bolsa Louis Vuitton se não objetos de poder que conferem ao portador certas características, como status, parecer mais cool, etc? O que poderia haver num pedaço de pano em forma de tênis ou bolsa que concederia atitude a alguém? Magia, só pode ser magia.

O mundo é mágico, e sujeitos como Neil Gaiman fazem nossa imaginação fazer parte dessa magia, entrando nesse mundo colorido e fantástico onde deuses, animais e humanos conversam calmamente enquanto arrumam seus chapéus panamá sobre a cabeça.

Simplesmente incrível.

Aliás, se tu quer ser mágico também, dê-me de presente isso.

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