fevereiro 22, 2008

Operação Janeiro



XX-NULL-XX

“Tudo que aqui está escrito é mentira. Inclusive isto.

“Algumas pessoas acreditam em coincidências, destino, intervenção divina e tudo mais. Nós não acreditamos em nada disso, somos loucos. Os loucos por viver, por chorar, por rir, os loucos pedindo ajuda e salvando o mundo. Somos os loucos zen-lunáticos de mochilas nas costas. Loucos incrédulos e ao mesmo tempo cheios de fé num bando de coisas extravagantes e insólitas, ainda que muito divertidas”.


XX-I-XX
Porto Alegre - 25/janeiro/2008 - sexta-feira - noite


Um aviso de mensagem de celular interrompeu o sono leve do Aluno. Ele esticou o braço para fora do colchão, tateando no escuro até finalmente colocar a mão sobre o objeto que piscava e emitia a única luz do quarto. Apertou o dedo contra o maior botão do aparelho e leu:

“FO-DEUS. VEM COM TUDO.”

O aluno levantou-se de um impulso para sentar na cama, releu a mensagem para ter certeza de que tinha lido certo. A mensagem em código era clara, algo tinha dado muito errado no Rio e agora o Aluno e o resto do bando tinham que aparecer por lá para consertar o que fosse possível consertar. Imediatamente vestiu suas calças, as mesmas calças jeans surradas e largas, e ligou o monitor do computador, que baixava a última moda em putaria hardcore. Abriu o Firefox, digitou na barra de endereços “orkut.com” e digitou rapidamente o login e senha de seu perfil fake, Chacrinha 23. Sabia que era arriscado comunicar-se por ali, ainda mais da própria casa, mas não tinha dúvidas, o tempo não estava do seu lado.

Abriu o perfil de nome Acadimia São João e deixou um scrap que, para os olhos certos, indicavam o grau da emergência: “Quem não se comunica se trumbica... sigam a rita cadillac até ruffus park (de porche, pq o trânsito tá foda)”. Deixou o mesmo recado para “Lula-lá e nós aqui” e “Miss Moinhos de Vento 2003”, aí desligou o computador no dedo e deixou o quarto carregando apenas sua mochila e uma pressa que mal cabiam em seu físico não tão em forma.

XX-II-XX
Porto Alegre - 25/janeiro/2008 - sexta-feira - noite


Quando Steroid Freak chegou ao prédio abandonado, olhou para os dois lados antes de entrar - nunca é demais ter cuidado numa situação dessas. Ele subiu as escadas pulando os degraus de três em três, articulando seus músculos superdesenvolvidos. Ao abrir a porta da sala de reuniões do grupo, se é que podemos chamar um compensado com uma corrente de porta, o Aluno e Ana Terra estavam em posição de ataque. Ao verem que era ele, abaixaram a guarda.

- Então, estamos os 3 aqui, podemos começar. - Disse o Aluno.
- Mas e a Alquemiss?

O Aluno sacudiu a cabeça, em um movimento de negação. Foi Ana Terra, de baixo do seu chapéu de palha e com o lenço cobrindo a parte inferir do rosto, que falou: - Alquemiss foi para o Rio junto com a Ema.

- E o que aconteceu com elas? - perguntou o musculoso de tanga azul.

O aluno foi quem respondeu, andando de um lado para o outro e movendo os braços enquanto falava: - Aí está, eu não sei! A Ema me mandou a mensagem com o código de que tinham se fodido bonito, algo sério. Não sei se a Alquemiss também dançou, mas eu tentei entrar em contato com ela e não tive resposta. Ao que tudo indica, deu muita merda por lá.

- E o que a gente faz? - interpelou Ana Terra.

- Bom, a mensagem era clara, era pra nós 3 irmos ao Rio pra tentar salvá-las.

- A gente vai precisar de um líder... - sugeriu Steroid Freak.
- Com certeza. - era a vez de Ana Terra.
- Vamos usar as bolas para definir nossos elementos temporariamente.
- Quem bom, eu estou cheia de ser ar, quem sabe agora eu não consigo água ou terra. - Disse Ana Terra.
- Eu gosto de ser terra... - disse Steroid Freak.
O Aluno interrompeu os devaneios das outras duas figuras, insatisfeitas com suas funções - Não, nós não vamos mudar nossos elementos. Só podemos fazer isso com os 5 aqui.
- E então? - Disseram ambos.
- Eu continuo sendo água, Ana continua sendo ar, Steroid é terra - este último interrompeu o Aluno com um breve “aeee” - dois de nós vão acumular seu elemento e espírito ou fogo.
- Ta bom, são as regras... que droga. - disse Ana.
- Traga as bolinhas.

O Aluno pegou um pequeno saquinho de veludo preto e colocou três bolinhas um pouco menores que bolas de ping-pong, uma branca, uma vermelha e outra rosa, respectivamente:

- Nada. - Steroid disse com a bola branca na mão.
- Fogo! - Ana Terra exclamou.
- Espírito. - O Aluno disse, meio impassível, com a bola rosa entre os dedos.

Ana Terra e Steroid Freak olharam para o Aluno, como se esperando que ele exercesse seu papel de líder, já que simbolizava o elemento espírito. Este disse: - Rumo ao Rio!

XX-III-XX
Rio de Janeiro - 24/janeiro/2008 - quinta-feira – meio-dia


- Você quer mesmo fazer isso? - Disse Alquemiss, vestida em um biquíni mínimo que chamava a atenção dos homens (e mulheres) que passeavam por Ipanema.
- Qual o problema? - Respondeu Ema, usando uma saia azul até o joelho e a parte de cima de um biquíni preto. As duas caminhavam pela orla, calmamente.
- Eu quero dizer, é perigoso, principalmente sem todo o grupo.
Ema parou, olhou nos olhos de Alquemiss e aproximou sua boca da dela - Se você pedir, eu desisto da idéia, gata.
- Tá brincando? Não é meu papel ser cautelosa. Lembre-se, eu sou o fogo. Alquemiss virou o rosto, deu alguns passos a frente e Ema a seguiu.
- É, eu tenho um fogo por você...

E as duas riram e continuaram andando.

XX-IV-XX
Rio de Janeiro - 26/janeiro/2008 - sábado - manhã


- Por onde começamos? - falou Ana Terra.
- Bom, a Ema me falou de umas amigas Lésbicas em Ipanema, acho que é por ali que devemos começar.
- Tô com fome. - reclamou o musculoso Steroid Freak.
- Podemos almoçar lá por perto, agora não Steroid. -
- Além disso, não vai fazer mal a gente visitar a praia. - completou Ana Terra.
- Táxi!

XX-VI-XX
Rio de Janeiro - 24/janeiro/2008 - quinta-feira – tarde


Ema pichava algo em uma parede, um emaranhado de letras esquisitas, quase ininteligíveis.

- Escuta, Ema, nós nunca vamos achar desse jeito o carregamento. É inútil, já reviramos a cidade. Por que a gente não chama o pessoal e eles nós ajudam? Além disso, chegamos no fundo do poço. Pichação? Isso é pra ralé!
- Alquemiss, você é um pecado de mulher, mas às vezes me surpreende. Eu tô usando a rede.
- Rede?
- Olha só, gracinha, você nunca foi espírito, portanto nunca foi líder de uma célula invisível. Eu sei como entrar em contato com as células locais. - Ao dizer isso, Ema terminou sua pichação. - Voilá! Agora é só esperar o contato das outras células invisíveis amanhã à noite, naquele beco ali.
- Você está sempre me surpreendendo.
- Se você me deixasse tocar nesses peitos, você veria o quanto eu poderia te surpreender, Alquemiss.

XX-VII-XX
Rio de Janeiro - 26/janeiro/2008 - sábado - manhã


Dentro do Táxi, o Aluno e Ana Terra estavam confortáveis. O único desconfortável era Steroid Freak, que, graças a seu tamanho fenomenal, ocupava mais da metade da frente do carro e precisava ficar corcunda com o teto lhe prensando as costas e o pescoço.

- Pare o táxi! - disse o Aluno, sobressaltado.
- Mas aqui não é Ipanema.
- Aqui tá bom! Aqui tá bom, obrigado!

Eles desceram do carro, que teve o lado direito nivelado novamente com o esquerdo quando Steroid Freak pisou no lado de fora. O Aluno dirigiu-se à parede pichada e disse: - Vejam, uma mensagem da Ema. Ela estava tentando achar outras células por aqui. Ela combinou o ponto de encontro pra ontem, naquele beco.
- Ontem à noite. - Disse Ana Terra, que completou: - um pouco antes de você receber a mensagem de socorro dela.
- Então vamos quebrar tudo! - Disse Freak, flexionando seus músculos como se tivesse finalmente ficado feliz.
- Talvez sim, Steroid, mas por enquanto não. Vamos ao beco pra ver que diabos aconteceu por lá.

As 3 figuras insólitas caminharam até o beco, que nada mais era do que uma pequena rua sem saída que dava para o fundo de um pequeno morro. Casas antigas adornavam ambos lados da rua. Havia um pouco de sujeira, uns sacos de lixo e uma caixa de madeira quebrada.

- Consegue ler alguma coisa no ar? Alguma impressão, Ana? - inquiriu o Aluno.

Ana colocou as mãos na testa e fechou os olhos. Ela tentou concentrar-se além do cheiro de urina exalado pelo beco sem saída. Havia algo ali. Havia o cheiro de uma imagem no ar. Ela exalou fundo, buscando trazer para si o cheiro das memórias do beco, tentando encontrar algo. De repente um perfume. Alquemiss. O perfume francês dela. Misturado com adrenalina. Adrenalina não de excitação, mas de medo. O medo misturado com cheiro de fogo. Ela botou a mão direita no lóbulo frontal correspondente, seus joelhos fraquejaram um pouco, dor, havia dor. Alquemiss com muita dor. Mais adrenalina e suor, era Ema. Estava fugindo. Tinha a atenção dirigida a algo - o seu celular. Estava fugindo e mandando a mensagem para o Aluno. Mais dor. Um novo cheiro: óleo, graxa, piche, benzina... algo químico e forte. Dor aguda. Escuridão.

Ana Terra fraquejou: - não dá mais, tem algo bloqueando. Foi intenso. Seja o que for, não é natural e pegou as duas.
- Elas morreram? - perguntou o Aluno.
- Acho que não. Acho que apagaram com a dor.
- Quem foi? Pra onde as levaram?
- Não sei, é como se fosse uma cortina preta, feita de gordura ou piche, não consigo ver, sei lá.
- Nada mais?
- Nada mais.
- Maldito beco sem saída. - concluiu Steroid Freak da conversa dos outros dois, porém estes não sabiam se ele tinha falado daquele beco em específico ou do beco sem saída da falta de pistas.

Eles olharam em volta, procurando algo que pudesse ajudá-los, quando de repente o Aluno notou um mendigo, sentado no chão, tão próximo do lixo que parecia um dos sacos jogados na beira da rua. O mendigo olhou nos seus olhos e disse: - tem um cigarro?
- Eu não fumo.
- Sabe, você deveria ser legal com a gente da rua.
- POR QUE, VAI ENCARAR? - Ameaçou com os punhos em riste, Steroid Freak.
- Calma, calma, grandão, deixa eu falar com esse cara. - Disse o Aluno, que dirigiu-se novamente ao mendigo: - escuta, você mora aqui?
- Se você está procurando seus amigos, eles foram pegos pelo Preto da Noite.
- Que Preto da Noite? Que merda é essa? - Ana avançou um passo para perto do mendigo.
- Bom, eu não sei, mas posso levá-los a quem sabe... - confidenciou em mistério o mendigo, que mudou de posição no chão, provavelmente porque sua bunda estava doendo pelo tempo em que estava pressionada no chão de basalto.
- E o que você quer em troca? - Perguntou o Aluno.
- Ora, o que todos nós queremos: um cigarro.

XX-VIII-XX
Rio de Janeiro - 26/janeiro/2008 - sábado - tarde


- Como você disse que era seu nome mesmo?
- Cigarrijo. Lorde Cigarrijo.

O mendigo os estava guiando há cerca de 30 minutos. Ele tinha uma tocha na mão e andava decidido por entre as galerias de esgoto sob a cidade. Segurava na mão direita uma tocha e não parecia consultar nenhum tipo de mapa, apenas parava de quando em vez para olhar alguns símbolos riscados nas paredes do esgoto e andava decidido, sem falar muito. De quando em vez resmungava quando alguns ratos passavam. Steroid Freak era o que mais se sentia desconfortável, porque tinha que andar como corcunda por alguns corredores com teto baixo.

- Chegamos. - O mendigo parou na frente de uma porta de metal.
- Aonde? - inquiriu alguém, ou os três, do grupo.
- Ao Rei.
- Belo palácio tem esse rei. - disse Ana Terra.
- Não é um Rei comum, é o Rei-Mago do Submundo, aquele que levará a água suja quando o momento do Messias chegar.
- Julgando pelo “palácio”, deve ser um sujeito simpático. - disse o Aluno.
- Silêncio. Fiquem calados, não falem porra nenhuma, deixem que eu negocio - e bateu 3 vezes na porta de metal enferrujada com um anel soldado a ela, do mesmo material.

A porta se abriu. Os 4 entraram. Lá dentro, uma galeria de cerca de 50 metros quadrados. Apesar da iluminação fraca, eles podiam divisar ao fundo alguém sentado sobre uma espécie de cadeira. Chegando mais perto, o fedor tornava-se ainda mais intenso, mas finalmente podiam ver que quem estava sentado na cadeira com braços largos era um homem com uma coroa de papel laminado e que segurava um cetro feito com um osso longo, talvez um fêmur. O homem falou, e sua voz era cortante, acusativa:

- Porque traz estrangeiros aos domínios do submundo? Exijo uma explicação, Lorde Cigarrijo!
Foi o mendigo quem respondeu: - Majestade, esses 3 procuram por duas amigas desaparecidas.
- Estás me acusando de ter raptado essas pessoas, insolente?
- Jamais, Majestade! Jamais! - Cigarrijo fez uma mesura - Eu vi quem as levou e vi que não era da gente do submundo.
- Hm, então?
- Bom, esse pessoal me deu um presente especial, então, como seu nobre súdito, honrando as regras ancestrais, eu venho a Vossa presença para pedir que os ajude a localizá-las, usando a rede de informações do reino do submundo.
- Entendo... - o homem mexeu-se em seu trono, parecendo impaciente.
- E então?
- Bom, regras são regras, afinal. Me dêem algumas horas.

Eles saíram da sala, todos eles fazendo mesuras. A porta cerrou-se logo após eles saíram.

- Agora é esperar. - Sorriu satisfeito Lorde Cigarrijo.
- Que rede é essa? É magia? - Perguntou o Aluno, curioso.
- Não. É uma coisa muito simples, uma espécie de wiki onde nós, do reino do submundo, trocamos informações. Não há um lugar em qualquer cidade grande em que não estejamos presentes.
- E nós que achamos nossos sistemas de comunicação muito avançados... - falou Ana Terra.
- Esses caras são os verdadeiros invisíveis. - Sentenciou Steroid Freak, em um momento de lucidez filosófica.

XX-IX-XX
Rio de Janeiro - 29/janeiro/2008 - terça - noite


O Aluno olhava pelo binóculo para uma espécie de depósito na área portuária.

- Escuta, se elas estão em Macaé, porque a gente tá perdendo tempo aqui? Vamos logo lá e quebrar tudo! - Disse Steroid Freak, cheio de impaciência no auge do seu desequilíbrio hormonal.
- Não seja burro, Steroid, nem você conseguiria passar. Os caras estão protegidos, não lembra o que o Rei falou? Eles não são amadores, estão raptando todas as células invisíveis por aí. Devem estar tramando algo muito grande e não querem surpresas. - Disse Ana Terra, doutrinando-o. Ela prosseguiu, desta vez dirigindo-se ao concentrado Aluno, que continuava olhando pelo binóculo - Mas eu também não entendi porque a gente está aqui. Pode acabar com o mistério?

O Aluno largou o binóculo e entregou pra Ana terra: - Olha lá, tá vendo aqueles containers?
- Sim. - Ela respondeu.
- Pois aquelas belezinhas têm informação confidencial sobre algo importante, segundo o Rei do Submundo.
- Você acha que tem algo sobre o plano d’Eles?
- Se tivermos sorte, sim.
- E ESTAMOS NOS ARRISCANDO POR SORTE? VAMOS LOGO QUEBRAR ESSA MERDA EM MACAÉ E SALVAR A EMA E A ALQUEMISS!
- Calma, grandão, calma. Acontece que essas informações confidenciais, seja lá o que forem, estão sendo transportadas para a base em Macaé. - O Aluno fez uma pausa contemplativa ou dramática, não se sabe. - Vejo que não está acompanhando meu raciocínio, Steroid Freak, mas olhe só, se eles vão levar aqueles containers para lá onde estão Ema e Alquemiss e, possivelmente, mais alguns membros de células invisíveis capturadas, porque a gente não se aproveita disso e entra pelo portão da frente?
- Cavalo de Tróia, genial! - exclamou Ana Terra.

XX-X-XX


O Globo: Petrobras e PF decidem calar sobre roubo de notebooks - O furto de quatro notebooks com dados confidenciais sobre áreas petrolíferas da Petrobras -que pode ter sido uma ação de espionagem industrial- está sob investigação da Polícia Federal diante do risco à segurança nacional. Leia mais em O Globo de 15/02/2008.